Língua é alma. E nós começamos a perdê-la.
No momento em que o Ministério de Educação permite a publicação de um livro, denominado 'Por uma vida melhor', da coleção 'Viver e aprender', em que tudo é permitido no que tange à concordância, considerando corretas orações como "nós pega o peixe" e "os menino pega o peixe", temos que registrar o protesto. Como diz o poeta, "podemos não saber o que desejamos. Mas sabemos o que não queremos".
E não fica aí. Afirmava Machado de Assis que "o maior pecado, depois do pecado, é a publicação do pecado". Ou melhor, a defesa do pecado. E há uma nota infeliz do MEC, patrocinando a causa da autora, Heloísa Ramos, ao sustentar que tal procedimento estimula os cidadãos ao uso flexível da língua. Nada mais desafortunado. Não só a gramática normativa é dizimada, também a língua correta do povo. E parece que isso não interessa ao MEC. O que então lhe interessa?
O erro de linguagem nada mais é do que um desvio da fala da comunidade, que é obrigação de todos. Até as pessoas de condição mais pobre merecem o direito de bem manejar a língua, sem os estropiados descaminhos de "nós pega peixe" ou "os menino pega peixe", como defende 'Por uma vida melhor'.
Esses barbarismos não condizem com a nossa dignidade no exercício da cidadania através da linguagem. E se esse desrespeito nasce exatamente de onde devia vir o bom exemplo, há "algo de muito pobre no reino da Dinamarca". Com efeitos colaterais nos próprios valores de nação.
A fala do povo é gostosa — não porque é errada — mas porque não aceita construções anômalas, nem concordâncias esdrúxulas. Límpida, direta, inventiva, fala de alma.
Mas isso é muito sério, na medida em que é sintoma de uma tutela estatal, deformando o ensino para as novas gerações, com o intuito sinistro de também deformar a consciência. E sobretudo, aos poucos, ao se perder a língua, começamos a perder a identidade.
O Dia (RJ), 26/5/2011