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Marcos Barbosa, Dom

CÂNTICO DE NÚPCIAS

Nossos caminhos são agora um só caminho,
nossas almas, uma só alma.
Cantarão para nós os mesmos pássaros,
e os mesmos anjos desdobrarão sobre nós
as invisíveis asas.
Temos agora por espelho os nossos olhos;
o teu riso dirá a minha alegria,
e o teu pranto, a minha tristeza.
Se eu fechar os olhos, tu estarás presente;
se eu adormecer, serás o meu sonho;
e serás, ao despertar, o sol que desponta.

Nossos mapas serão iguais,
e traçaremos juntos os mesmos roteiros
que conduzam às fontes escondidas
e aos tesouros ocultos.
Na mesma página do Evangelho encontraremos o Cristo,
partiremos na ceia o mesmo pão;
meus amigos serão os teus amigos,
perdoaremos com iguais palavras
aqueles que nos invejam.

Será nossa leitura à luz da mesma lâmpada,
aqueceremos as mãos ao mesmo fogo
e veremos em silêncio desabrochar no jardim
a primeira rosa da Primavera.
Iremos depois nos descobrindo nos filhos que crescem,
e não mais saberemos distinguir em cada um
os meus traços e os teus,
o meu e o teu gesto,
e então nos tornaremos parecidos.
E nem o mundo nem a guerra nem a morte,
nada mais poderá separar-nos,
pois seremos mais que nunca,
em cada filho,
uma só carne
e um só coração.

Que o homem não separe o que Deus uniu.
Que o tempo não destrua a aliança que nos prende,
nem os amores, o amor.

Que eu não tenha outro repouso que o teu peito,
outro amparo que a tua mão,
outro alimento que o teu sorriso.
E, quando eu fechar os olhos para a grande noite,
sejam tuas as mãos que hão de fechá-los.
E, quando os abrir para a visão de Deus,
possa contemplar-te como o caminho
que me levou, dia após dia,
à fonte de todo amor.

Nossos caminhos são agora um só caminho,
nossas almas, uma só alma.
Já não preciso estender a mão para alcançar-te,
já não precisas falar para que eu te escute...

 

HINO DO XXXVI CONGRESSO
EUCARÍSTICO INTERNACIONAL

Do céu desceu a chuva,
a gota entrou no chão;
a terra deu a uva,
a espiga deu o grão.

De todo o canto,
vinde, correi,
foi posta a mesa
do nosso Rei.

O homem com carinho
curvou a rude mão;
de uva faz o vinho,
do trigo faz o pão.

De todo o canto,
vinde, correi;
foi posta a mesa
do nosso Rei.

Do céu desceu a graça,
Maria a recebeu;
qual procissão que passa
no seio traz um Deus!

De todo o canto,
vinde, correi;
foi posta a mesa
do nosso Rei.

À mesa dos mortais,
O Cristo se assentou;
os mais doces sinais
na sua mão tomou...

De todo o canto,
vinde, correi;
foi posta a mesa
do nosso Rei.

É sangue o que era vinho,
é corpo o que era pão.
A mim, a cruz, o espinho,
a ti, a refeição!

De todo o canto,
vinde, correi;
foi posta a mesa
do nosso Rei.

Por tal comida forte,
meu povo, caminhai;
vencei a vida e a morte,
de volta para o Pai!

                                1953

Livro do peregrino, XXXVI Congresso Eucarístico Internacional, 1955.

 

A FLOR DO TANQUE

Vós, que amais a natureza,
é preciso vir para vê-la,
recém-brotada das águas,
como no céu uma estrela!

Ontem mesmo nada havia,
dissimulado botão;
ergue agora no cristal
a sua branca ascensão.

Nasce no jardim do claustro,
não na terra, mas no tanque;
vai vendo abrirem-se as outras
de um aquático palanque.

E tem gestos de oriente
a coroa estilizada,
pondo brancas sombras de anjos
na superfície irisada.

Vide vê-la! Oh, não podeis:
pois foi nascer na clausura
e já bóia, branca Ofélia,
nas águas da sepultura.

Tão depressa brota o poema
de efêmera duração;
mal risca de leve a vida
o anseio do coração...

                   1955

                                                              (Poemas do Reino de Deus, 1961)

 

TARCÍSIO

Na escuridão
pequeno vulto
- Que leva oculto
no coração? 2
Logo outro vulto
também oculto,
o vai seguindo
na escuridão.

E vai pensando:
- Que leva ele,
que leva oculto
no coração? 4
Já outro vulto
ao que seguia
veio juntar-se
na escuridão.

-Que leva oculto
(os dois dizem),
que leva oculto
no coração? 6
Já outro e outro,
qual procissão,
seguem Tarcísio
na escuridão...

 

- Na aurora agora,
não mais oculto,
que levas (dize!),
pequeno vulto? 8
Vulto calado,
vulto embuçado,
mas algo esconde
no coração...
 

- Leva um tesouro?
Leva um poema?
Uma invenção? 10
E atrás o seguem,
atrás prosseguem,
atrás perseguem
os outros vultos.
 

- Será leiteiro
será padeiro,
ágil menino
tão de manhã?! 12
Ah! se não falas,
ah! se te calas,
as próprias pedras
irão gritar...
 

Não vês acaso
os que te seguem
algo apanhando
no rude chão? 14
Que levas (dize,
ah! dize logo!)
tão em segredo
no coração?

Todo calado,
todo embuçado,
vai o menino
na solidão. 16
Parte a primeira,
parte a segunda,
terceira pedra
o que vem prostrar!
 

Mesmo caído,
até ferido,
tu te obstinas
em não falar!  18
Pequeno vulto,
agora oculto
por sob as pedras
(tantas lançaram!),
ninguém queria
fazer-te mal...
 

É sempre assim,
irrefletida,
cega, incontida,
a multidão. 20
Por que não disseste
o que levavas,
o que levavas,
no coração?
 

(O que levavas
leva-te agora
em plena aurora
em pleno dia...) 22
Tiram as pedras,
vão procurando,
vão pesquisando
na confusão.
 

- Onde o poema,
onde o tesouro,
onde a invenção?
Que ele levava,
que ele ocultava
no coração? 24
Mas nada encontram,
Pois sob as pedras,
por sobre o pó,
tão esmagados,
grãos triturados,
Tarcísio e Cristo
já são um só!

                                                               (Poemas do Reino de Deus, 1961)

A IGREJA DO MOSTEIRO

Flor de pedra e de prece na colina,
lugar alto de paz e de silêncio,
onde a cidade pára de repente
e se ajoelha no chão de antigos túmulos.

Floresta de ouro a nave, onde as cigarras,
até juntar-se um dia ao pó do claustro,
misturam sete vezes suas vozes
à orquestração dos sinos e do órgão.

Caverna de Aladino que oferece
aos mais pobres que entrem seus tesouros,
mel correndo dos favos esculpidos.

Palpitam na penumbra asas de arcanjo,
bispos e reis na talha abrem seus braços,
e a Virgem, do seu trono, entrega o Filho...

 

OS ÓCULOS DA VOVÓ

- Como acabar meu tricô,
como assistir à novela,
se esses óculos benditos
me somem sem mais aquela?

Vovó, procurando os óculos,
vai do quarto para a sala
e de novo volta ao quarto,
sem ninguém para ajudá-la.

E até parece que os netos
estão a se divertir,
pois mesmo seu predileto
faz força para não rir.

Deve saber onde estão,
porque lhe diz o malvado:
- Já está ficando quente
seu chicotinho queimado!

E o diz quando está no quarto
ou à sala torna a voltar.
- Mas como pode uma coisa
em dois lugares estar?

Em sinal de desespero
leva então as mãos à testa:
ali estão os seus óculos
e tudo vira uma festa.

ORAÇÃO DA FAMÍLIA

Bem debaixo, Senhor, da tua asa,
coloca a nossa casa.

Nossa mesa abençoa, e o leito, e o linho,
guarda o nosso caminho.

Brote, em torno, o jardim, frutos e flores,
em nossa boca, louvores.

Conserva pura a fonte de cristal,
longe o pecado e o mal.

Repele o incêndio, a peste, a inundação,
reine a paz e a união.

Bem haja na janela o azul do dia,
na parede, Maria.

Encontre a noite quieta a luz acesa,
quente sopa na mesa.

Batam à porta o pobre e o viajor,
e tu mesmo, Senhor.

Tranqüilo seja o sono sob a cruz
que a outro sol conduz.

                                                               (Poemas do Reino de Deus, 1961)

O OURO DO AMOR

- Ouro saído das minas,
o que na terra vai ser?
- Serei do rei a coroa,
o cetro do seu poder.

- Ouro saído das minas,
qual na terra o teu destino?
- Serei do poeta a pena
jorrando o verso divino.

Ouro saído da terra,
na terra qual o teu fado?
Serei um par de alianças
para selar um noivado.

Um foi ouro de poder,
outro foi ouro de glória;
mas foi o ouro do amor
que teve a mais bela história.

Pois quando o império passou
e foi o poema olvidado,
o amor restava, brilhando,
nos filhos transfigurado...