Introdução
“Mil mineiros não causam o incômodo de dez cearenses”, escreveu Rachel de Queiroz em 100 Crônicas Escolhidas . Ela não estendeu a comparação a outros brasileiros. Não serei eu quem vá cometer a imprudência de o fazer, sobretudo quando vejo à minha frente o pernambucanismo aguerrido de Marcos Vilaça. Cito a frase apenas para tranqüilizar os ouvintes com relação à duração de meu discurso.
Sentido da eleição
É grande a honra que me conferem os acadêmicos ao me admitirem a sua companhia e ao seio desta centenária instituição. Na qualidade de historiador e de cientista social, sinto-me alçado aos ombros de gigantes desses dois campos de conhecimento, não mencionando outras áreas. Para citar apenas alguns mortos, vejo-me, no campo da história, na companhia de João Ribeiro, Rio Branco, Oliveira Lima, Pedro Calmon, José Honório Rodrigues. No campo do ensaio sociológico e político, na de Joaquim Nabuco, o maior de todos, José Veríssimo, Sílvio Romero, Eduardo Prado, Rui Barbosa, Euclides da Cunha, Gilson Amado, Fernando de Azevedo, Oliveira Vianna, Raimundo Faoro, Affonso Arinos de Mello Franco. Em qualquer das costumeiras listas dos dez principais intérpretes do Brasil, pelo menos cinco ou pertenceram ou pertencem à Academia.
Fundada nos tempos conflituosos e intolerantes do início da República, a Academia sobreviveu como uma república alternativa onde a convivência de contrários era a regra básica de convivência. Ao longo do tempo, a diversidade e a renovação continuaram sendo suas marcas registradas. Ao me ver a ela associado, imagino que os acadêmicos talvez tenham levado em consideração mais do que meus méritos pessoais, afinal de pequena monta. Imagino que talvez tenham tido em vista o que eu pudesse representar. O que posso representar está presente aqui nesta sala nos colegas historiadores e cientistas sociais de nossas universidades, nos confrades da Academia Brasileira de Ciências e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Imagino, ainda mais precisamente, que tenha sido admitido por representar uma geração de historiadores e cientistas sociais formada após a implantação da moderna pós-graduação no país, verificada ao final da década de 60. Ao incorporar, não a mim, mas ao que possa representar, a Academia reafirma sua capacidade de absorver variados estilos de pensamento e se afirma como autêntico intelectual coletivo, para usar uma expressão de Gramsci.
O estilo intelectual de minha geração caracteriza-se pela busca de maior especialização e maior rigor cientifico. Mas tal busca implica a perda de algumas virtudes características da formação mais eclética e humanista de muitos dos que engrandeceram e ainda engrandecem a Academia Refiro-me sobretudo à riqueza da imaginação e à qualidade literária do texto. Homenageio a todos eles na pessoa de Affonso Arinos de Mello Franco, a quem sou grato por me ter dado a primeira carta de voto e a quem devo o privilégio de me receber nesta Casa. Affonso Arinos é diplomata, jornalista, político, escritor, memorialista. Conheci-o quando era, ele não eu, embaixador na Holanda. Aproximou-nos, além de sua gentileza e da fidalguia dos Mello Franco, a admiração que tinha por seu pai, o senador Afonso Arinos, que conhecera em mesas redondas no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e na Fundação Getúlio Vargas. Já tendo abandonado meu udenismo de juventude, de origem familiar, não compartia as idéias políticas de Affonso Arinos, mas respeitava sua figura de homem público dotado de verdadeira vocação para a política, no sentido weberiano da expressão. Sobretudo, lhe era grato por ter escrito o que considero um dos melhores ensaios produzidos no Brasil: O índio brasileiro e a Revolução Francesa. Escrito na Suíça, quando o autor se restabelecia de grave doença, o livro examina o imaginário europeu sobre nossos índios, desde os cronistas coloniais, como Jean de Léry e André Thevet, passando por Thomas Morus, Montaigne e Shakespeare, até chegar a Rousseau e a sua idéia do bom selvagem. Peço a Afonso Arinos, Filho, que, à honra que me concede de me receber, permita que acresça a de me imaginar sendo recebido também pelo senador Afonso Arinos.
Antecessores
Entre os seis predecessores que tive na cadeira de número cinco, incluído o patrono, três foram juízes, dois foram médicos e uma foi romancista e jornalista. Seria artificial buscar pontos de contato entre pessoas de tão variada formação e atuação. Algo, no entanto, os unia: a ampla formação humanista a que já me referi. Os três juízes foram, ao mesmo tempo, poeta e romancista, caso do patrono, Bernardo Guimarães; poeta, caso do fundador, Raimundo Correia; ensaísta, biógrafo e memorialista, caso de Cândido Motta Filho. O médico Aloísio de Castro era poeta e compositor. Rachel de Queiroz desdobrou-se na atividade de romancista, jornalista, tradutora, teatróloga e autora de livros infantis. Destoa apenas Osvaldo Cruz, que já prefigurava o moderno cientista e especialista.
Bernardo Guimarães
Patrono da cadeira, Bernardo Guimarães nos fascina ainda hoje pelos contrastes de sua personalidade, pouco menos que escandalosa. Parecia um mineiro do tumultuado século XVIII perdido na comportada segunda parte do século XIX. Foi juiz que desrespeitava a lei quando a via contrariando a justiça; professor que com freqüência, faltava às aulas; poeta que tangia ao mesmo tempo a lira romântica e o rabecão da pornografia; boêmio que bebia éter e militava em causas sociais. Exímio contador de casos, foi um tradutor da realidade mineira assim como Rachel de Queiroz o foi da cearense. O romance de militância abolicionista, A Escrava Isaura , publicado em 1875, foi, depois do poema O Navio Negreiro de Castro Alves, e dos contos de Joaquim Manoel de Macedo, reunidos em Vítimas Algozes , a terceira manifestação de abolicionismo, com repercussão nacional, na literatura brasileira. As três obras se anteciparam à decolagem do movimento abolicionista, liderada no Rio de Janeiro por Joaquim Nabuco e José do Patrocínio, e foram escritas na mesma época em que José de Alencar defendia a escravidão nas Novas Cartas Políticas de Erasmo , dirigidas ao Imperador, e ao mesmo tempo em que Sílvio Romero defendia posições racistas. Antes deles, só aparecera Luís Gama com suas Trovas Burlescas . As Trovas , no entanto, eram mais que pregação abolicionista. Tinham por alvo muitas outras mazelas de uma sociedade em que, segundo o autor, todos eram bodes, brancos, negros e mulatos: “Aqui nesta boa terra/Marram todos, tudo berra”. Note-se que dos oito participantes do debate abolicionista aqui mencionados, todos foram, à exceção de Luís Gama, ou fundadores, ou patronos de cadeiras da Academia. Era intensa a participação dos futuros acadêmicos no debate social e político da época.
Escrava Isaura lê-se hoje com alguma dificuldade devido ao exagero do sentimentalismo, já ridicularizado, aliás, por Mário de Andrade. Mas o livro está longe de ter sido superado, como indica o êxito nacional e internacional da novela nele baseada. São de notar as táticas distintas adotadas no combate à escravidão por Castro Alves, Joaquim Manoel de Macedo e Bernardo Guimarães. Castro Alves dirigia-se de preferência a estudantes, declamando seus poemas em teatros e praças públicas e usava como argumento a indignação moral diante da violação dos valores liberais do século; Macedo visava os proprietários de escravos, a quem tentava aterrorizar com descrições de crimes hediondos cometidos por escravos; Bernardo Guimarães dirigia-se aos brancos, cujos sentimentos buscava atingir pelo artifício de mostrar a escravidão vitimando uma pessoa de aparência e educação brancas. Nenhum dos três conseguiu igualar com seus livros o impacto causado por A cabana do Pai Tomás , publicado em jornal em 1851, que vendeu 300 mil cópias em um ano. O total de leitores no Brasil não atingia essa cifra. Mas em sociedade em que valores escravistas estavam profundamente enraizados, em que a liberdade individual não era tida como valor universal, eles tiveram o mérito de contribuir para o despertar da consciência moral do país.
Raimundo Correia
Raimundo Correia foi o fundador da cadeira. De família maranhense, tinha personalidade diametralmente oposta à de Bernardo Guimarães. Unia-os apenas o fato de terem sido ambos juízes e poetas. Nada em Raimundo Correia lembrava a boêmia e a iconoclastia do mineiro. Seguiu o percurso típico de um membro da elite da época, iniciando a carreira com o título de bacharel, conseguido na Faculdade de Direito de São Paulo. Seguiram-se as nomeações de praxe para juiz municipal e de direito, intercaladas por breves incursões no ensino e na administração pública de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Tendo viajado a Paris para tratamento de saúde, realizou, sem querer, como Guimarães Passos, um dos sonhos dos escritores da belle époque : morrer na Cidade-Luz.
Publicou obra poética não muito vasta, mas de extraordinário apuro formal, sobretudo em sua fase parnasiana. Nele, no entanto, talvez graças às origens românticas, a perfeição da forma nunca ocultou ou substituiu a força do sentimento. Haverá poucos brasileiros que não tenham lido, se não declamado, alguns de seus sonetos, obras-primas da poesia escrita em português. Não mencionarei o mais famoso deles porque Raimundo Correia detestava ser chamado de poeta das pombas. Leio, ao invés, como exemplo de sua poética, alguns versos de Plenilúnio:
[...] Há pó de estrelas pelas estradas
E por estradas enluaradas
Eu sigo às tontas, cego de luz
Um luar amplo me inunda, e eu ando
Em visionária luz a nadar,
Por toda a parte, louco arrastando
O largo manto do meu luar.
A contínua popularidade de seus versos, eis o que se pode chamar de autêntica imortalidade.
Osvaldo Cruz
Ninguém também tão diferente de Raimundo Correia quanto seu sucessor, o médico e cientista Osvaldo Cruz, um paulista de Piratininga. O grande pesquisador combinava a prática do laboratório e a preocupação com o papel social da medicina. Filho de médico, formou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Três anos no Instituto Pasteur de Paris completaram seu treinamento de pesquisador no novo e revolucionário campo da microbiologia. De volta ao Brasil, envolveu-se logo no combate às epidemias que periodicamente devastavam a população urbana. Seu primeiro combate foi contra a peste bubônica em Santos. Em 1903, a convite de Rodrigues Alves, assumiu a direção do serviço de saúde pública no Rio de Janeiro e deu início à memorável batalha contra a febre amarela e a varíola.
Uma lei de 1904, por ele patrocinada, decretou a vacinação obrigatória contra a varíola, provocando grande revolta popular, de que resultaram 23 mortos e 67 feridos. A cidade ficou paralisada por uma semana. Trágico equívoco protagonizado por dois heróicos combatentes. De um lado, Osvaldo Cruz, missionário da ciência, decidido a acabar com uma epidemia que matava milhares de pessoas e tornava o Rio de Janeiro uma cidade perigosa (como devia ser terrível viver aqui naquele tempo!). De outro, a população, não suficientemente esclarecida sobre a natureza da vacina e sobre os métodos de vacinação, disposta a resistir tenazmente ao que considerava arbítrio governamental. Atacado por todos, inclusive pelos positivistas, ridicularizado pela imprensa, Osvaldo Cruz foi derrotado na batalha de 1904, mas acabou ganhando a guerra. Em 1907, recebeu consagração internacional ao lhe ser concedida a medalha de ouro para a seção brasileira da Exposição de Higiene do XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia de Berlim. Três anos após a revolta, regressou ao Brasil coberto de glória. Na mesma data, foi eleito para a Academia Nacional de Medicina. Pela primeira vez no Brasil, a ciência se tornava motivo de orgulho nacional e um cientista era sagrado herói cívico. Em 1912, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras derrotando o poeta satírico Emílio de Menezes.
Além do trabalho de pesquisador e higienista, Osvaldo Cruz teve ainda papel importante na institucionalização da moderna investigação médica no Brasil. O Instituto de Manguinhos, depois de Osvaldo Cruz, transformou-se no mais importante centro de pesquisas do país, voltado para a saúde pública e para a produção vacínica. Antes dele, apenas o Museu Nacional no Rio de Janeiro e a Escola de Minas de Ouro Preto qualificavam-se como centros modernos de investigação científica.
Aloísio de Castro
Outro médico, Aloísio de Castro, substituiu Osvaldo Cruz em 1917. Aloísio era filho de médico e literato ilustre, Francisco de Castro, que ocupou a cadeira de número 13. Carioca, estudou no prestigioso colégio Kopke e formou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Dedicou a vida ao ensino da disciplina e foi presidente da Academia Nacional de Medicina. Tomou posse em 1919, sendo recebido por Afrânio Peixoto, mais um médico.
Chama a atenção a presença de tantos médicos na Academia no início do século XX. Aos três já mencionados, devem-se acrescentar Miguel Couto, ocupante da cadeira 40, que foi também presidente da Academia Nacional de Medicina e Clementino Fraga, eleito para a cadeira 36. Poderiam também ter feito parte da Academia Carlos Chagas, Artur Neiva e Belisário Pena, colaboradores de Osvaldo Cruz. Carlos Chagas descobriu a doença que lhe leva o nome, Belisário Pena, incansável sanitarista, foi responsável pela correção que Monteiro Lobato fez de sua visão racista do caipira. Lendo Belisário, Lobato passou a atribuir à doença o que antes debitava à raça. Essa revoada de médicos explica-se pelo prestígio adquirido pelos pesquisadores de Manguinhos no campo das descobertas científicas e da saúde pública. O prestígio foi aproveitado pelos médicos para valorizar a profissão e ampliar sua influência na política e na cultura. Pertencer à Academia era uma das estratégias dessa batalha.
Aloísio de Castro distinguiu-se dos colegas cientistas por sua formação e interesses variados. Além de artigos científicos, publicou livros de poesia, discursos acadêmicos, crítica musical. Foi compositor e excelente pianista. Entusiasta de Chopin, dedicou ensaio crítico ao mestre dos noturnos.
Cândido Motta Filho
Cândido Motta Filho substituiu Aloísio de Castro em 1959. Formado em direito em sua cidade natal, São Paulo, Motta Filho foi outro acadêmico multifacetado. Foi advogado, jornalista, professor de direito, crítico literário, ensaísta, político, Ministro do Supremo Tribunal Federal. Dentre suas realizações, escolho enfatizar uma quase desconhecida. Refiro-me à criação, em 1955, quando ministro da Educação de Café Filho, do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). O projeto fora concebido dentro do Ministério, um ano antes, por sugestão de Hélio Jaguaribe e com o apoio de Gilberto Amado, chefe de gabinete do Ministro Antônio Balbino. A idéia original era criar um Colégio do Brasil nos moldes do Collège de France e do Colégio do México.
Para surpresa do próprio Hélio Jaguaribe, o novo Ministro deu seqüência aos planos e criou o Instituto, posto que em escala mais modesta. Durante dez anos, o ISEB exerceu controvertido mas poderoso impacto sobre o debate político nacional. Dele fizeram parte figuras importantes de nossa inteligência, como o economista Roberto Campos, que ocupou a cadeira 21, o sociólogo Guerreiro Ramos, o filósofo Álvaro Vieira Pinto, até hoje sem o reconhecimento que merece, e, last not least , Cândido Mendes de Almeida, atual ocupante da cadeira de número 35. Em 1964, o ISEB foi fechado, sua biblioteca incorporada à da Escola Superior de Guerra, e seus membros submetidos a um Inquérito Policial-militar. Em 1967, o acadêmico Eduardo Portella retomou a idéia e criou um Colégio do Brasil, vinculando a instituição à revista Tempo Brasileiro que fundara em 1962.
Pode surpreender o fato de o ISEB ter sido criado por um ministro liberal que, na década 1930, tivera simpatias pelo integralismo. Note-se, no entanto, que o primeiro diretor do Instituto, indicado pelo Ministro, foi Roland Corbisier, um ex-integralista. E note-se, sobretudo, que Cândido Motta Filho certamente criou o ISEB pensando na proposta de Alberto Torres, feita em 1914, de se criar um Instituto de Estudo dos Problemas Nacionais, que também chamou de Centro de Estudo de Problemas Brasileiros. Cândido Motta Filho era grande admirador de Alberto Torres, como deixa claro em seu livro Alberto Torres e o tema da nossa geração , publicado em 1931, com prefácio de Plínio Salgado. Depois de ter participado do grupo modernista Verde Amarelo, criara em 1929, em São Paulo , a Ação Nacional do Partido Republicano Paulista, grupo também inspirado nas idéias de Torres. Em 1932, foi um dos fundadores da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, criada para promover estudos sobre o país. Cândido Motta Filho acabou fazendo, via ISEB, a ponte entre duas épocas. O ISEB foi, de alguma maneira, a concretização à esquerda, 40 anos mais tarde, da proposta de Torres.
É pouco relevante, para o que me interessa, saber se Alberto Torres, Cândido Motta Filho e o ISEB eram de esquerda ou de direita. Importa o fato de que todos se preocupavam em pensar o Brasil. Torres retomara essa prática, interrompida após a adoção do federalismo republicano. Em A Organização nacional e em O problema nacional do Brasil, ambos de 1914, recolocara no centro da agenda intelectual o debate sobre a política e a organização nacionais. A insistência de Torres em estudar o Brasil, em recusar o mimetismo de idéias estrangeiras, em valorizar a política como instrumento de organização nacional, em promover o nacionalismo, eram, segundo Motta Filho, a receita de que sua geração precisava para sair da perplexidade e da paralisia em que se achava. As forças centralizadoras dos anos 30, à direita e à esquerda, reforçaram a preocupação com o nacional e com o político. Não por acaso, Torres mereceu também um estudo de Barbosa Lima Sobrinho, indicação segura de que suas preocupações permeavam a direita e a esquerda. Cada um a seu modo, integralistas e comunistas, a direita e a esquerda, tinham sua visão e seu projeto de país. Hoje, o liberalismo e a pós-modernidade tentam desqualificar o trabalho de pensar o país e de falar em projeto nacional. Aposta-se antes na globalização, no esvaziamento do Estado, na fragmentação da identidade nacional em múltiplas identidades culturais. Mas a subida do PT ao poder mostra que a velha moda ainda resiste.
Rachel de Queiroz
Rachel de Queiroz substituiu Cândido Motta Filho em 1977, em memorável eleição que marcou o fim do veto às mulheres na Academia. Não tive o privilégio de conhecê-la pessoalmente e com ela conviver, apesar de ser leitor de seus romances e crônicas. Aproximo-me dela, portanto, como é moda dizer hoje, pela via da alteridade. Se tal condição me priva da possibilidade de produzir uma homenagem emocionada, pois não há emoção de segunda mão, ela permite o que a proximidade não favorece, um tributo raisoné , raciocinado.
A vida de Rachel de Queiroz é bastante conhecida. Além das biografias já publicadas, ela própria forneceu vasto material autobiográfico em entrevistas a jornais e revistas. Graças à pertinácia de Maria Luíza, deixou-nos o livro de memórias, Tantos Anos , escrito a quatro mãos com a irmã mais nova, rico em informações. Muito útil também me foi a longa entrevista que concedeu a Isabel Lustosa, a que tive acesso por gentileza da entrevistadora. Retiro dessas fontes os principais marcos da trajetória de Rachel de Queiroz.
Sua origem familiar e social, ela nunca o negou, marcou-a profundamente e imprimiu selo indelével em sua vida e obra. Era filha de pai Queiroz e mãe Alencar, ambos oriundos de importantes famílias cearenses. A base econômica das duas famílias era a propriedade rural. Um tio de seu avô paterno possuía 18 fazendas. Mas, como era comum na época, vários de seus antepassados fazendeiros eram ao mesmo tempo bacharéis ou engenheiros, sobretudo do lado Queiroz. A peculiaridade dos Alencar era serem quase todos ateus, apesar de parte da família descender de padres. Pai e mãe de Raquel eram leitores vorazes e contrários à educação formal. A mãe, Clotilde, importava diretamente de Paris livros da editora Plon. Rachel foi criada nesse ambiente de muita liberdade e muita leitura. Aprendeu a ler sozinha. Aos 11 anos, escandalizou a avó paterna fazendo o sinal da cruz com a mão esquerda. Só então foi mandada para um colégio de freiras, onde em quatro anos completou o antigo curso normal. Foram seus únicos anos nos bancos escolares. Neles se inspirou para escrever As três Marias , livro mais tarde transformado em novela de televisão.
Devoradora de livros, Rachel também madrugou na escrita. Aos 16 anos já escrevia para O Ceará , jornal anti-clerical de Fortaleza. Aos 19, aproveitando-se de repouso forçado para se recuperar de uma infecção pulmonar, escreveu a lápis num caderno escolar O Quinze , seu primeiro livro, cujo título é referência à grande seca de 1915. Pai e mãe aprovaram e o pai financiou a primeira edição de mil exemplares. Mandado para jornalistas e escritores do Rio e São Paulo, teve recepção entusiástica e ganhou o prêmio para romance da recém-criada Fundação Graça Aranha. Em pintura, ganhou Cícero Dias, em poesia, Murilo Mendes. Daí em diante, a vida da mocinha provinciana mudou radicalmente. Veio ao Rio para receber o prêmio, fez amizades que durariam a vida toda, algumas à esquerda, outras à direita, sem faltar as de centro. À esquerda, o grupo de Bruno Lobo, à direita, o futuro integralista Adonias Filho e o fascista (são palavras de Rachel) Otávio de Faria, ao centro, Graça Aranha, Jaime Ovale, Manuel Bandeira. Sobre Bandeira, conta que era o querido das mulheres. Onde aparecia, elas enxameavam à volta, para grande ciúme e despeito de outros homens, sobretudo de Gilberto Amado.
Nos poucos meses que morou no Rio, viveu vida dupla. De noite, com escritores, de dia, com os camaradas do Partido Comunista do Brasil. De regresso, ajudou a organizar o Partido no Ceará. No ano seguinte, já rompia com os camaradas em protesto contra a censura imposta a seu segundo romance, João Miguel . Os camaradas vetaram o enredo, argumentando que campesino (assim diziam) não podia matar campesino, proletária não podia ser prostituta. Rachel tornou-se trotskista. Em 1932, casou-se com o poeta José Aldo e até 1939 levou vida agitada, de muitas mudanças e duas rápidas passagens pela prisão. Mais do que mudanças de endereço, marcaram-na profundamente as mortes da filha e do irmão, ambas em 1935. Trabalhou três anos no comércio e publicou mais dois romances, Caminho de Pedras , em 1937, cujo tema foram suas brigas políticas na época, e As Três Marias , em 1939, de natureza mais autobiográfica.
Neste último ano, mudou-se definitivamente para o Rio de Janeiro. Logo a seguir, separou-se de José Aldo e passou a viver com Oyama de Macedo, médico assistente de Pedro Nava. Sua vida entrou em remanso poucas vezes perturbado, em contraste com os revoltos e revoltosos anos de juventude. Trabalhou intensamente como jornalista, tradutora e autora de peças teatrais. Foi em suas traduções que muitos brasileiros, inclusive quem vos fala, tiveram o primeiro contato com a obra de Dostoievski e outros clássicos. A partir de 1945, e por 30 anos, ocupou com suas crônicas a última página de O Cruzeiro . Parecia que a vocação de romancista a tinha abandonado. Só em 1975, 36 anos depois de As três Marias , não computando os folhetins de O Galo de Ouro , retornou ao romance com Dora, Doralina . Seguiu-se nova interrupção de 17 anos, até a publicação do coroamento de sua obra romanesca, o Memorial de Maria Moura . Nesses anos de Rio de Janeiro, levou intensa vida social dentro da república das letras, ampliando as amizades feitas nos anos 30. A livraria de José Olympio, seu editor, era um dos principais pontos de encontro do grupo.
Não abandonou o forte interesse pela política. Mas agora, mudados os tempos, a antiga comunista e trotskista adotou postura liberal ao estilo da União Democrática Nacional. O que não mudou desde a década de 30, foi seu nunca disfarçado ódio a Getúlio Vargas e a seus herdeiros políticos, João Goulart e Leonel Brizola. “Eu nunca tolerei o Getúlio”, disse em entrevista. “Eu prefiro um tirano mesmo” (CLB, 109). Apoiou Café Filho em 1954, opôs-se ao contragolpe do general Lott em 1955, conspirou com os militares para derrubar Goulart em 1964. No governo de Castelo, seu grande amigo, recusou posições políticas, como já tinha recusado no governo de Jânio Quadros, exceto a de membro do Conselho Federal de Cultura.
Sua consagração literária se deu quando foi eleita para a Academia em 1977. Via a instituição como um clube do Bolinha e nunca pensara em se candidatar. Mas seus muitos amigos literatos, vários deles já acadêmicos, Adonias Filho à frente, resolveram tentar quebrar a já então inaceitável discriminação contra as mulheres. Bem a seu estilo, Rachel não se submeteu ao ritual de visitar os acadêmicos para pedir votos. Mais ainda, foi-se embora para sua fazenda no Ceará. Na eleição, derrotou o grande jurista Pontes de Miranda e fez história ao se tornar a primeira mulher acadêmica. Barbosa Lima Sobrinho que era contra a mudança, penitenciou-se mais tarde por não lhe ter dado seu voto: “Rachel, disse ele, fui a maior besta quadrada deste país!”. A eleição fez justiça ao mérito literário da obra, a uma vida de afirmação feminina, e à forte presença de personagens femininas em seus romances. A partir da eleição, continuou a viver no Rio, mas sem nunca cortar os laços com o sertão. A fazenda Não me deixes , desmembrada da grande fazenda do Junco, de cinco mil hectares, tornou-se o refúgio sertanejo a que recorria com freqüência. Rachel nunca deixou de ser uma sertaneja no Rio. À diferença da Minas de Drummond, para ela o Ceará sempre houve e nunca foi apenas retrato na parede. Tampouco doía.
Obra
Rachel escreveu sete romances, duas peças teatrais e cerca de duas mil crônicas, muitas delas reunidas em livros. Pela predominância da crônica em sua obra, definia-se antes de tudo como jornalista: “[...] me sinto mais jornalista do que ficcionista”, disse em entrevista aos Cadernos de Literatura Brasileira, acrescentando: “Na verdade, minha profissão é essa, jornalista”. A longa prática e o profissionalismo com que trabalhava fizeram dela verdadeira mestra da crônica. Desenvolveu um estilo enxuto, preciso, fluente, saboroso. Na crônica, seu interesse se ampliou. Não abandonou o Ceará, mas passou a cobrir temas cariocas, nacionais e internacionais, a comentar o cotidiano, os dramas urbanos, a política nacional.
Os principais romances, O quinze, As três Marias e o Memorial de Maria Moura, e as peças de teatro, Lampião e A beata Maria do Egito, no entanto, são, sobretudo, ela mesma e o Ceará. Não há, aqui, muita discordância entre a auto-avaliação de Rachel e a opinião da maioria dos críticos. Repetidas vezes, em entrevistas e crônicas, a escritora insistiu na idéia de que o romance deriva da experiência pessoal e do meio ambiente. Como disse a Isabel Lustosa: “[...] o dom de ser artista se forma na infância, na puberdade”. Outras afirmações são ainda mais fortes: “Todo personagem tem a ver com a gente”; “[...] meu personagem mais parecido comigo era o João Miguel”. Sobre As três Marias , disse em entrevista: “[...] é o meu romance mais autobiográfico” ( CLB, 31). Também deixou clara sua concepção do romance: “Ninguém inventa nada”; “[...] a ficção funciona assim, você não sai da sua origem, não importa onde você esteja” ( CLB , 36).
Com esta visão de sua prática romanesca concordam vários críticos. Seu grande amigo, Adonias Filho, disse em introdução a O Quinze : “É o documentário nordestino, enxuto e realista, nascendo para espelhar uma região de sofrimentos”. Gilberto Freyre afirmou dos romances nordestinos de 30 em geral, inclusive os de Rachel, que tinham a marca de reportagem social, de documento sociológico: “Quase nada nesses ‘romances' é obra de ficção”. Augusto Frederico Schmidt, entusiasta imediato de O Quinze , dele disse: “Não é precisamente romance”. Por outro lado, o crítico Haroldo Bruno chama de “estranha incompreensão” a avaliação de Schmidt e não duvida do caráter ficcional de O Quinze.
Parece-me que Rachel, sem dúvida, recriava literariamente a realidade. Ao escrever O quinze, buscou explicitamente afastar-se da crueza naturalista de Rodolfo Teófilo, autor de A fome , romance publicado em 1890, inspirado na seca de 1877-1880. Na obra de Rodolfo Teófilo, segundo ela péssimo romancista, havia cadáver demais, urubu demais. Queria mostrar uma seca mais clean, mais light. Uma seca light, talvez esteja aí uma chave para entender a ficção de Rachel.
Seja como for, todos reconhecem a qualidade literária dos romances de Rachel e sua capacidade de apresentar e representar a cultura, os tipos humanos e os dramas da sociedade sertaneja. Foram essas qualidades que deram a seus livros a popularidade sustentada até hoje, como o atestam as constantes reedições e as adaptações para novelas e seriados de televisão. O Quinze transformou-se em ícone da literatura nacional. Outra razão do êxito talvez seja o fato de que Rachel escrevia dentro da tradição ficcional brasileira que sempre vinculou literatura e nação. Em seu caso, a vinculação era entre literatura e região, mas a região era vista como componente da nação. Tal região, qual romance, talvez dissesse Flora Sussekind.
Mas o que é o regional em Rachel? Ouso dizer que não é o Nordeste. O Nordeste, como identidade cultural, foi inventado na década de 20. Até então, o Brasil era dividido em Norte e Sul. Em 1924, Gilberto Freyre começou a falar em Nordeste e a organizar centros regionalistas. A idéia pegou e surgiu uma nova sub-identidade brasileira. A obra de Rachel, iniciada em 1930 com O Quinze, fez parte deste movimento cultural, ao lado da de José Américo, que publicara A bagaceira em 1928, das de José Lins do Rego, Graciliano Ramos, e Jorge Amado. Mas assim como a identidade brasileira envolve e encobre várias identidades, o mesmo acontece com a identidade nordestina. O mundo sertanejo de Rachel pode ser o mundo de Graciliano Ramos, mas não é o de José Lins do Rego ou de José Américo, muito menos o de Jorge Amado ou de Gilberto Freyre, esses últimos todos centrados na economia e na cultura do açúcar.
O Ceará distinguiu-se, desde a colônia, por outra economia e outra cultura. Foi sempre marcado pela pecuária, pela produção agrícola não monocultora, pela baixa concentração da mão-de-obra escrava. Em 1873, dois anos após a lei do Ventre Livre, a província tinha apenas 2% dos escravos do país, em contraste com 10% da Bahia e 6% de Pernambuco. Quando a província se antecipou ao país abolindo a escravidão em 1884, restavam nela apenas 34 mil escravos. A escassa presença escrava tornou a sociedade cearense menos hierarquizada, menos desigual. Como anotou com razão a própria Rachel, a escravidão, além de menos difundida, era menos violenta do que em outras partes do nordeste. O escravo ou dormia na casa-grande, ou era vaqueiro solto. Era a casa-grande sem a senzala, na precisa definição da escritora (100 Crônicas escolhidas, 135).
Tratava-se de sociedade muito distinta da que se formara nas grandes concentrações de escravos do complexo açucareiro da mata pernambucana e do Recôncavo baiano. Descrita nas crônicas, a sociedade cearense é retratada também nos romances e nas peças teatrais, sobretudo em O Quinze e em Memorial de Maria Moura. Neste último, passado no século XIX, chama a atenção a reduzida presença de escravos e de negros e a predominância de vaqueiros de descendência indígena. As relações entre esses vaqueiros e seus superiores lembram aquelas descritas por Euclides da Cunha em Os sertões. Se agregarmos a tais características a incidência periódica da seca, teremos um quadro social em que relações mais igualitárias se juntam à dureza da luta pela sobrevivência. A relação com a terra se torna, então, vital. “[...] sou extremamente presa à terra”, “[...] tenho a terra no sangue”, diria Rachel. Em As terras ásperas fala na “simbiose da terra com a gente. Vem na composição do sangue” (p.19).
Essa cultura sertaneja que, por certo, abrangia partes de outros estados da região, marcou a personalidade, as idéias, os temas, e o estilo de Rachel de Queiroz. Quanto à personalidade, eu diria que seu traço mais marcante foi o quase feroz sentimento de independência individual, a bravura pessoal e política. “O nordestino é, antes de tudo, um individualista”, disse, parodiando Euclides da Cunha (Tantos anos, 152). A Isabel Lustosa confessou: “gosto de ser espírito de porco”. Vários episódios de sua vida ilustram essa característica. Em 1932, rebelou-se contra a censura dos camaradas do PCB; mais ou menos na mesma época, foi expulsa por indisciplina da Academia Cearense de Letras; em 1933, espancou um desafeto em plena luz do dia em uma rua de Fortaleza; em 1939, separou-se de José Auto.
Quero crer que no forte sentimento de independência individual esteja também a chave para entender suas idéias políticas. Da filiação ao PCB em 1930 até o apoio ao golpe de 1964, parece ter havido uma grande guinada ideológica. Talvez não seja esse o caso. Rachel esteve comunista por pouco tempo, talvez por simples rebeldia juvenil. Reagiu logo à tentativa de controle e se juntou aos trotskistas de São Paulo, distantes da disciplina stalinista. Sua ojeriza a Getúlio Vargas foi sempre justificada como defesa da liberdade contra a repressão política. A adesão ao udenismo nos anos 50 e 60, inclusive o apoio ao golpe de 1964, estaria na mesma linha. A mudança não teria sido de Rachel, mas do país. Muitos de seus amigos da década de 30, quando ou se era de esquerda ou integralista, mudaram de posição política, alguns da esquerda para a direita, outros da direita para a esquerda como Dom Hélder Câmara. Rachel permaneceu sempre intransigente defensora da independência individual e da liberdade.
Seu estilo também é sóbrio, despojado, sem floreios e gorduras, sem sentimentalismos, tal uma paisagem sertaneja. Está a léguas de distância do de Jorge Amado, ou mesmo do de José Lins do Rego. “Tenho quase uma obsessão de limpar o texto, podar a língua de todos os excessos” (CLB, 125). Para a segunda edição de O Quinze , cortou mais de cem palavras. Era uma exterminadora de palavras inúteis. Tentava reconstruir literariamente o linguajar popular. Comparando-se com Guimarães Rosa, revelou ela mesma em O Caçador de Tatu que, ao escrever, o romancista mineiro compunha, enquanto ela tocava de ouvido. Seu objetivo declarado era escrever como testemunho, como depoimento, sem sensacionalismo, sem os exageros do naturalismo. Tal estilo, presente desde O Quinze, fez com que alguns leitores, inclusive Graciliano Ramos, duvidassem da autoria do romance. Aquilo não era linguagem de mulher que, no estereótipo da época, deveria ser açucarada, floreada, sentimental. Era estilo masculino, uma linguagem de macho, na expressão da própria Rachel. O machismo da época teve pelo menos a vantagem de facilitar a ampla aceitação do romance.
Falando em machismo, chegamos, por contraste, a um dos temas prediletos de Rachel, se não o predileto, a mulher. De novo, a força feminina exibida em sua própria vida e na de suas personagens não deixa de ser também um traço da sociedade sertaneja. “Minhas mulheres são danadas”, diria (CLB , 26). Essas personagens fortes, de Conceição de O Quinze, a Maria Moura, inspiravam-se em figuras históricas do sertão e eram, ao mesmo tempo, ela mesma, Rachel. Maria Moura deveu ainda o nome a Maria Lacerda de Moura, líder feminista da década de 30. Mas Rachel desapontava as militantes ao dizer que não era feminista, que odiava as feministas. Aqui, de novo, não me parece haver contradição. As mulheres da ficção de Rachel são ela mesma, ou são seus modelos de mulher . “Maria Moura é tudo que eu queria ser e não consegui”, disse em entrevista (CLB , 113). E Rachel, ela mesma, estava dentro da tradição familiar, sobretudo dos Alencar, e da tradição da mulher sertaneja em geral. Ao refletir em seu comportamento e em suas personagens esse tipo de mulher, ela se colocava além do feminismo: “Nunca fui feminista, disse. Não acredito nessa entidade particular 'a mulher', diferenciada da outra entidade 'o homem'”.
Rachel sempre rejeitou cargos políticos, dizendo que não nascera para mulher pública. De outro lado, definia-se como um “animal político”. Teve o bom gosto de não misturar militância partidária e literatura. Não escreveu romances sociais, no sentido de literatura-denúncia. A única vez que o tentou foi com João Miguel e ela mesma reconheceu que não deu certo. Mas a militância política esteve sempre presente em suas crônicas e em sua vida. Rachel de Queiroz participou intensamente da vida política e cultural do país durante os últimos dois terços do século XX. Como animal político, ajudou a forjar o país. Como romancista, contribuiu para redefinir a identidade nacional. Fugindo do monolitismo de Alberto Torres e de Cândido Motta Filho, ajudou a dar ao Brasil uma cara multifacetada que incorporava a gente e a cultura sertanejas.
Conclusão
Senhores acadêmicos:
Vós me concedestes o privilégio de pertencer a esta Academia e de nela conviver com grandes nomes das letras e do pensamento nacional. Machado de Assis conquistara o direito de ver a Academia como “glória que fica, eleva, honra e consola”. Eu não tenho este direito. Não a posso ver, nem a quero ver, como local de fruição de glórias, que as não tenho. Vejo-a antes como instituição cultural nacional, das mais respeitáveis do país, onde pelo discurso e pela criação literária se pensam e se representam o Brasil e a condição humana. Faço parte de duas outras Academias, a Brasileira de Ciências, a que também pertence mestre Celso Furtado, e a Academia Universitária. São instituições menos abrangentes, com regras distintas de ingresso, de trabalho e de convivência, mas igualmente importantes como fontes de criação intelectual.
Além de continuar meu trabalho de historiador e cientista social, gostaria de contribuir para promover o diálogo entre as três academias, secundando o esforço já empreendido por outros acadêmicos. Entendo que tal diálogo poderá ser benéfico para a vida cultural do país. Imagino que Nabuco o aplaudiria; a Machado talvez não parecesse ocioso.
Muito obrigado.