Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Acadêmicos > Joaquim Serra > Joaquim Serra

Joaquim Serra

A MISSA DO GALO

Repica o sino da aldeia,
Troa o foguete no ar!
O rio geme na areia,
Na areia brilha o luar.
Quantas vozes, que alegria!
O povo da freguesia
Corre em chusma, folgazão.
No caminho arcos de flores,
Por toda parte cantores,
Folguedos e agitação!

Ali no largo da ermida
O tambor toca festeiro,
Se apinha o povo em redor;
E a igrejinha garrida,
Tendo defronte um cruzeiro,
É toda luz e fulgor!

Vêm do monte umas devotas,
Trazem o rosário na mão;
Uns camponeses janotas,
Calças por dentro das botas,
Seguindo o grupo lá vão!

Que raparigas formosas,
Cheias de rendas e rosas
A ladeira vão subir!
Falam cousas tão suaves,
Parece gorjeio de aves
O que elas dizem a sorrir!

A brisa sopra fagueira,
Brincando na juçareira
E vai o rio enrugar;
Chegam de longe canoas,
Os barqueiros cessam as loas,
Que modulavam a remar!

O sino da freguesia,
Da branca igreja da aldeia,
Cada vez repica mais;
O povo corre à porfia,
A capela já está cheia,
Soam trenos festivais!

Porque produz tanto abalo
Esta festa sem rival?
É hoje a missa do galo,
Santa missa do Natal!

Este festejo tão lindo
Que grande mistério encerra!
Poema de amor infindo
Que o céu ensinou á terra!
Faz-se humano o ente divino,
O Eterno se faz menino,
Vem viver entre os mortais!
Lei cristã, santa e formosa,
Salve, crença majestosa,
Qu’eu recebi de meus pais!

Na palhoça iluminada,
Que fica junto da ermida,
Dês que a missa foi cantada
Se congrega a multidão;
Toldo de murta florida,
Flores de mágico aroma
Ornam o presepe, que toma
Na sala grande extensão.

Quão lindo está! Não lhe falta
Nem o astro milagroso,
Que de repente brilhou;
Nem o galo, que o repouso
Deixara por noite alta,
E que inspirado cantou!

Tudo o que a lenda memora
E consagra a tradição,
Vê-se ali, grosseiro embora,
Despido de perfeição.
Céu de estrelinhas douradas,
Estrelas de papelão;
Brancas nuvens fabricadas
Da plumagem do algodão!
Anjos soltos pelos ates,
Peixes saindo dos mares,
Feras chegando d'além,
Marcha tudo, e vêm na frente
Os reis magos do Oriente
Em demanda de Belém!

“É esta a lapa; o menino
Nas palhas está deitado,
Co’um sorriso de alegria,
Todo doçura e amor!

Contempla o quadro divino
S. José ajoelhado,
E a Santíssima Maria,
De Jerico meiga flor!

Trajando risonhas cores,
Com muitos laços de fitas,
Rapazes, moças bonitas
Formam grupos de pastores.

Que curiosos bailados,
Com maracás e pandeiros!
E o ruído dos cajados
Desses risonhos romeiros!

Essa quadrilha dançante,
Cantando versos festivos,
Aos pés do celeste infante
Vai depor seus donativos:

Frutas doces, sazonadas,
Ramalhetes de açucenas,
Cera, peles delicadas,
Pombinhos de brancas penas.

São as joias qu’os pastores
Dão ao Deus Onipotente!
E o povo aplaude os cantores
E o espetáculo inocente.

Eis o presepe singelo
Da devoção popular;
Oratório alegre e belo,
Sagrado, risonho altar!

Que noite, que madrugada!
A família reunida,
Uma festa em cada lar!
Quanta saudade esquecida,
Quanta tristeza apagada
Só co’um sorriso, um olhar!

Na terra tanta alegria,
Tanta paz celestial!
Que dia, que lindo dia!
Festa santa do Natal!

 

          A MINHA MADONA

Alva, mais alva do que o branco cisne,
Que além mergulha e a penugem lava;
Alva como um vestido de noivado,
    Mais alva, inda mais alva!

Loira, mais loira do que a nuvem linda
Que o sol à tarde no poente doira;
Loira como uma virgem ossianesca,
    Mais loira, inda mais loira!

Bela, mais bela que o raiar da aurora
Após noite hibernal, negra procela;
Bela como a açucena rociada
    Mais bela, inda mais bela!

Doce, mais doce que o gemer da brisa;
Como se deste mundo ela não fosse...
Doce como os cantares dos arcanjos,
    Mais doce, inda mais doce!

Casta, mais casta que a mimosa folha
Que se constringe, que da mão se afasta,
Assim como a Madona imaculada
    Ela era assim tão casta!...