Marcelo Bebiano
Novo presidente da Academia Brasileira de Letras, Cícero Sandroni fala sobre a necessidade de investimentos maciços nas áreas de educação e cultura. Qualificação dos professores, Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa e desafios da sua gestão são temas abordados na entrevista com o acadêmico
Jornalista e escritor, Cícero Sandroni, de 72 anos, tomou posse no dia 13 de dezembro como o 42º presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL). Em seu discurso, o destaque é a defesa da união nacional em prol da educação, além da continuidade das ações iniciadas durante o mandato do ex-presidente Marcos Vinicios Vilaça, com a abertura da academia para a sociedade e sua afirmação como destacado centro cultural e de debates.
Genro de Austregésilo de Athayde, que presidiu a ABL de 1959 a 1993, Cícero Sandroni destacou a importância do estudo da Língua Portuguesa para a existência de uma nação forte e estruturada. Ele, inclusive, analisou o Acordo Ortográfico, iniciado em 1990, e explicou que o maior entrave para a sua adoção é a falta de anuência por parte de Portugal. "Não se pode tocar para frente a unificação da Língua Portuguesa sem que Portugal esteja envolvido".
Numa análise crítica, Sandroni chamou a atenção que o Acordo envolve vantagens e desvantagens. Citou como um dos pontos positivos a ampliação do mercado consumidor de livros e periódicos, com a mobilização de leitores em todo o universo da lusofonia. No entanto, em contrapartida, acredita que as editoras, ainda que num prazo, em princípio, de dois anos, terão que adaptar às novas regras todos os títulos de seus catálogos. O que, certamente, implicará investimento e tempo.
Na área educacional, defende a facilitação do acesso aos livros e o aumento do investimento na formação e capacitação de professores, com a oferta de condições dignas de trabalho. Cícero Sandroni, que dirigirá a instituição neste ano marcado pelas celebrações do centenário de morte de Machado de Assis (1908-2008), formará a diretoria com os acadêmicos Ivan Junqueira (secretário-geral) e Alberto da Costa e Silva (primeiro-secretário). Também integram a nova diretoria da casa o cineasta Nelson Pereira dos Santos (segundo-secretário) e o gramático Evanildo Bechara (tesoureiro). Eis a entrevista:
Que balanço pode ser feito do trabalho da Academia Brasileira de Letras (ABL) nos últimos anos? Quais os seus planos para 2008?
Cícero Sandroni - A Academia modernizou-se sem descaracterizar-se e ampliou sua visibilidade, conservando-se fiel aos compromissos de preservação e difusão das melhores expressões da tradição e da cultura nacional. Hoje, qualquer pessoa de qualquer lugar do mundo pode visitar a Academia. É só acessar o site da instituição na internet, que conta com informações completas sobre a ABL e seus acadêmicos. A nova gestão será dedicada a realizações voltadas para o legado de Machado de Assis, primeiro presidente da Casa. Teremos a concretização de um convênio com o Ministério da Cultura para edições da obra de Machado. Uma linha de concertos buscará recriar o famoso Club Beethoven, de que ele foi criador e incentivador. O cineasta e acadêmico Nelson Pereira dos Santos organizará semanas de cinema com a exibição de filmes ligados à obra de Machado. Trabalho semelhante será promovido na área do teatro. Em março, os acadêmicos José Murilo de Carvalho e Alberto da Costa e Silva organizarão um ciclo de conferências a respeito da vinda da família real. A pauta é muito ampla.
Qual será a programação da ABL para o centenário da morte de Machado de Assis?
O escritor Machado de Assis será celebrado com a publicação de livros e realizações de seminários e conferências, no conjunto de iniciativas planejado pela Comissão Machado de Assis, integrada pelos acadêmicos Eduardo Portella, Sérgio Paulo Rouanet, Alfredo Bosi, Alberto da Costa e Silva, Antonio Carlos Secchin, Antonio Olinto e Domício Proença Filho, projeto que à diretoria caberá executar. Ano rico em efemérides, vamos celebrar também o bicentenário de chegada da família real, o centenário de nascimento de Guimarães Rosa, o de morte de Artur de Azevedo, os 400 anos de nascimento do padre Antônio Vieira, entre outros eventos da nossa história literária.
Uma instituição de 110 anos, como a ABL, tem forte influência e tradição enraizadas na memória e na cultura do país. No entanto, é preciso também promover a sua constante revitalização. Nesse sentido como aproximar ainda mais a academia da sociedade?
Ao receber os votos de nossos confrades, a nova diretoria celebrou com a Casa e os demais acadêmicos um compromisso de trabalho enobrecedor e honroso, mas também a exigir, na continuidade da gestão de Marcos Vinicios Vilaça, dedicação, responsabilidade, imaginação e empenho, marcas indeléveis dos dois anos de administração do nosso querido acadêmico. Com uma renovada linha de seminários, conferências, palestras, publicações, concertos de música popular e clássica, vamos expandir a presença da ABL junto a todos os segmentos sociais. Popularizar sem apelar para o popularesco.
Como fazer para que se aumente o número de leitores no país? Que contribuição a escola pode dar nesse sentido?
A questão da leitura envolve algumas dimensões. Em abril de 1993, foi Josué Montello quem chamou a atenção para os efeitos extremamente negativos que a inflação descontrolada exercia sobre os preços dos livros no Brasil, aí incluídos os livros didáticos. O custo do papel, reajustado em dólar, os preços dos fretes, em um território de proporções continentais como o brasileiro, agravavam a distorção e afastavam o povo da leitura. Isso para não falar da concorrência dos meios de comunicação de massa, como o rádio, a televisão e o videocassete. Além disso, existem problemas na formação, capacitação e remuneração de professores. O problema deve ser atacado em duas frentes: facilitar o acesso aos livros e investimentos na formação e capacitação de professores, oferecendo condições dignas de trabalho para os nossos mestres.
De que forma o jovem deve ser estimulado para desenvolver o hábito da escrita? Os professores estão preparados para essa função?
A educação no país sempre foi uma bandeira da Academia Brasileira de Letras. Por isso, em 1988, a Academia comemorou a volta da prova de Português como eliminatória no vestibular. O domínio da língua tornava-se uma qualificação mínima, que qualquer universidade deveria exigir. A nossa memória é visual. Para escrever bem, temos que ler literatura de qualidade. Em 2001, Josué Montello expressou seu desagrado com as medidas do governo que dissociavam o ensino da Língua Portuguesa do ensino da Literatura. No interior da ABL, uma comissão foi designada para avaliar o tema. O filólogo e acadêmico Evanildo Bechara contribuiu para os debates com um documento que tratava das diretrizes do ensino do Português no Brasil. Hoje, infelizmente, a cadeira de Literatura não é mais obrigatória no ensino médio. Em recente visita à ABL, o ministro da Educação, Fernando Haddad, foi sabatinado pelos acadêmicos. Arnaldo Niskier defendeu de forma veemente a volta da Literatura Brasileira como disciplina obrigatória no ensino médio. Não há nada mais inoportuno do que retirar a matéria do currículo obrigatório nas escolas, quando tentamos incentivar a cultura nacional. Isso é um contra-senso, uma inabilidade, e precisamos rever imediatamente esta medida. Para desenvolver o hábito da escrita, primeiro, temos que desenvolver o hábito da leitura.
Repetidas vezes, pesquisas e avaliações internacionais revelam a deficiência crônica do ensino no Brasil. Afinal, qual é o ponto nevrálgico da crise da educação brasileira? Como reverter esse quadro?
Além da situação econômica, que pode ser considerada a grande causa, há outros problemas que agravam a questão da educação no país. A carência de recursos humanos e materiais, assim como os baixos salários de professores de uma forma geral, a insuficiência de diálogo entre os membros da comunidade escolar, a ausência de interação com a família, a evasão escolar e a repetência podem ser considerados fatores agravantes dessa situação. Em maio de 1991, o presidente Austregésilo de Athayde colocou em discussão o livro recém-publicado - na época - por Arnaldo Niskier, que fazia críticas à qualidade do ensino no país. O quadro que delineava, em resumo, era o seguinte: insuficiência do atendimento à demanda do ensino pré-escolar, abandono do ensino médio e desencontro entre ensino superior, as escolas profissionalizantes e as reais necessidades do país. Outro educador e acadêmico, Candido Mendes de Almeida, acrescentou novos pontos de discussão, como a dicotomia ensino público versus ensino privado, a defesa de parcerias entre esses setores e a necessidade de se complementar o ensino de terceiro grau com a pesquisa e as atividade de extensão cultural. Ele propunha o conceito de "universidade vocacional", com três grandes linhas de especialização: Ciências da Natureza, Exatas e Sociais, que funcionariam interdisciplinarmente, criando uma educação pluralista, com maior sentido social, que pudesse atender às exigências do desenvolvimento do Brasil.
Qual a opinião do sr. sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa? Após 18 anos, o sr. acredita que ele seja concretizado? Quais são as maiores dificuldades para que o Acordo seja firmado?
O objetivo do Acordo é estabelecer um padrão único na forma de escrever em Português a ser adotado por todos os países que usam a Língua. Segundo as esferas acadêmicas, constitui um passo importante para a defesa da unidade essencial da Língua Portuguesa e para o seu prestígio internacional, pondo um ponto final na existência de duas normas ortográficas divergentes e ambas oficiais: uma no Brasil e outra nos demais países lusófonos. A ABL enfatiza a necessidade de uma mobilização efetiva das diversas esferas do poder público e das instâncias acadêmicas, no sentido da promoção do Português nos países integrantes da Comunidade - diante da atual descaracterização da Língua - e também nas universidades européias e norte-americanas. O maior entrave para a adoção do Acordo é a falta de anuência por parte de Portugal. Não se pode tocar para frente a unificação da língua portuguesa sem que Portugal esteja envolvido. O Acordo envolve vantagens e desvantagens. No âmbito comercial, amplia-se significativamente o mercado consumidor de livros e periódicos, com a mobilização de leitores em todo o universo da lusofonia. A edição de livros, com especial reflexo positivo no âmbito da Literatura, ganhará maior agilidade, com redução de custos. Em contrapartida, as editoras, ainda que num prazo, em princípio, de dois anos, terão que adaptar às novas regras todos os títulos de seus catálogos. O que implica investimento e tempo. No âmbito cultural, a língua, como fator relevante de aproximação e de unidade, passa a contribuir ainda mais para a solidificação dos laços e dos interesses comuns que integram a comunidade lusófona. Sem prejuízo das diversidades que caracterizam as identidades culturais, ainda que complexas, das nações que têm o português como idioma oficial. No âmbito pedagógico, a simplificação decorrente dos novos critérios influirá de maneira positiva no processo de alfabetização em todas as faixas etárias. Contribuirá também para o aprimoramento da expressão escrita. No âmbito lingüístico, amplia-se o espaço vinculado à fixação de uma política do idioma que aproxime ainda mais os países envolvidos.
Qual a maior glória da história da ABL? E qual o maior desafio da instituição para os próximos anos?
Quem acompanha as atividades da ABL certamente tem constatado a sua crescente participação na vida brasileira e da cidade do Rio de Janeiro, em particular. E, quando enumeramos tudo o que a Academia faz hoje - a riqueza de seus acervos, suas instalações e seus equipamentos, a qualidade dos livros que vem publicando e dos eventos que vem promovendo nos últimos anos -, concluímos que a ABL tornou-se um dos maiores espaços culturais do Rio de Janeiro e um ativo centro de pesquisas e estudos brasileiros. Essa presença efetiva na vida cultural da sociedade irá continuar hoje e sempre.
Folha Dirigida (RJ) 17/1/2008
17/01/2008 - Atualizada em 17/01/2008