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O adeus ao pensador Celso Furtado

 

Toni Marques, Vagner Ricardo, Flávio Freire e Ricardo Galhardo

O GLOBO (21.11.2004)


RIO e SÃO PAULO. O economista Celso Furtado morreu ontem em sua casa, aos 84 anos, vítima de colapso cardíaco. Ele conversava com a mulher, a jornalista Rosa Freire d’Aguiar Furtado, quando faleceu, pouco depois de ter falado ao telefone, entre 11h e 11h30m. Furtado foi o mais importante economista brasileiro e chegou a ter seu nome indicado ao Prêmio Nobel. Esteve entre os principais teóricos do desenvolvimento econômico no Brasil e na América Latina.

- Ele era um apaixonado pelo Brasil. Eu sempre brincava com ele, dizendo que, se eu tivesse de sentir ciúmes não seria de uma mulher, mas sim do país - disse a viúva.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva virá ao Rio esta manhã para se despedir do amigo. O economista será enterrado, às 11h, no mausoléu dos imortais da Academia Brasileira de Letras (ABL), para a qual fora eleito em 1997. O corpo começou a ser velado ontem mesmo na sede da ABL. À tarde e à noite, foi grande o movimento de familiares, amigos e personalidades do mundo político, econômico e cultural brasileiros, entre os quais a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy e o ministro Gilberto Gil.

Nascido em 1920 em Pombal, na Paraíba, Furtado formou-se em direito no Rio e tornou-se doutor em economia na Universidade de Paris, em 1948, com uma tese sobre o colonialismo brasileiro. Foi um dos fundadores da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em 1959, e ministro de Estado duas vezes. Em 1962, esteve à frente do Planejamento, no governo de João Goulart. Na redemocratização, foi ministro da Cultura de José Sarney.

Ideólogo de diferentes gerações de economistas brasileiros, Celso Furtado trabalhou até o fim da vida. Na sexta-feira, concluíra o prefácio do livro de um professor português. A economista Maria da Conceição Tavares foi uma das primeiras pessoas a chegar ao velório, acompanhada do senador Aloizio Mercadante (PT-SP). Muito emocionada, ela se desculpou por não conseguir falar sobre Furtado, a quem carinhosamente chamava de mestre.

Mercadante interrompeu reunião do PT para anunciar a morte

Em São Paulo, a tristeza se abateu sobre as 150 pessoas que participavam da reunião do diretório nacional do PT, quando Mercadante anunciou o falecimento do economista. A reunião mal começara, quando o senador foi avisado, por celular, sobre a morte de Celso Furtado. Imediatamente, os petistas fizeram um minuto de silêncio. Foi Mercadante quem deu a notícia a Lula, por telefone.

- Celso Furtado é um brasileiro marcado pela coerência, pelo compromisso com o desenvolvimentismo, de espírito público, gentileza no trato e também compromisso com a democracia - disse Mercadante.

Para o presidente nacional do PT, José Genoino, a vida de Furtado se confunde com a História do Brasil:

- Era uma referência para a nossa e as futuras gerações que lutam por um país desenvolvido, integrado e com soberania. O trabalho dele foi importante porque pregou a integração e a diminuição da disparidade entre as diferentes regiões do país.

Além da tristeza pela perda de um dos principais ideólogos do partido - amigo de Lula e companheiro de petistas que viveram no exílio em Paris durante a ditadura - a notícia provocou um certo constrangimento. Pouco antes de morrer, Furtado enviara um e-mail de solidariedade, tornado público ontem, ao ex-presidente do BNDES Carlos Lessa, dizendo ter tomado conhecimento da pressão “para levá-lo a abandonar os ideais que unem as nossas gerações”.

No Rio, Lessa disse que o país perdeu um brasileiro com B maiúsculo. Ele esteve no velório e lembrou que o amigo, mesmo obtendo sucesso internacional, nunca deixou de ser um sertanejo ou de sonhar com um Brasil mais justo. A morte de Celso Furtado foi lamentada por Gustavo Franco e Armínio Fraga, ex-presidentes do Banco Central. A governadora do Rio, Rosinha Matheus, decretou luto de três dias no estado.


Um dos homens mais importantes do século XX

Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu com “enorme pesar e tristeza” a morte de Celso Furtado, que considerava uma referência, e decretou luto oficial de três dias no país, em homenagem ao economista. Em nota oficial, Lula disse que “guarda os ideais” do amigo Celso Furtado, que, dias antes, criticara a demissão de Carlos Lessa do comando do BNDES. O presidente disse a assessores próximos que tinha “muito respeito” por Celso Furtado e que queria lhe prestar uma grande homenagem. Segundo assessores, o presidente manifestou desejo de ir ao Rio para o velório ou o enterro do economista.

“É com enorme pesar que venho a público manifestar minha tristeza com o falecimento de Celso Furtado. Mais que um economista, Furtado era um brasileiro que nos enchia de orgulho por seu compromisso com o Brasil, com a América Latina e com todos os países em desenvolvimento”, disse Lula na nota. O presidente finaliza o texto afirmando: “Perco um amigo, mas guardo seus ideais.”

A amigos, Lula lembrou que fez questão de visitar Furtado logo depois de vencer a eleição presidencial de 2002, encontrando o economista em seu apartamento no Rio de Janeiro. Em 28 de julho do ano passado, Furtado se reencontrou com Lula durante a cerimônia de recriação da Sudene.

Em seus inúmeros discursos, Lula citou o nome de Furtado em pelo menos oito pronunciamentos. Nessas ocasiões, o presidente costumava se referir a ele como “mestre”, “caro companheiro”, “referência para todos nós” ou “guardião da esperança na vontade nacional”.

- O presidente era muito ligado a Celso Furtado e tinha muito respeito e admiração por ele - afirmou um interlocutor de Lula.

Na nota oficial, Lula ressaltou que Celso Furtado “foi o grande responsável pela construção da Sudene”. Em seguida, o presidente acrescentou: “Lembro-me com emoção de sua presença na cerimônia de recriação da Sudene. Mesmo debilitado fisicamente, comemorou sua fé no Nordeste e no Brasil”.

Ao se referir à questão das desigualdades existentes no país, o presidente Lula disse que “é impossível debater o desenvolvimento sem passar pelos textos e idéias” de Celso Furtado. “Intelectual rigoroso, era ao mesmo tempo homem de ação e de Estado. Sua obra e suas idéias, desde os anos 50, representam um marco do pensamento econômico e social”, acrescentou o presidente.

Lula disse ainda que Furtado era “um dos homens mais importantes do século XX”, tendo reconhecimento internacional e tendo seus livros traduzidos para várias línguas.

O presidente estava na Granja do Torto, descansando ao lado da família e de assessores mais próximos, quando soube da morte de Celso Furtado. Na cerimônia de recriação da Sudene, Lula dissera:

- Furtado anteviu a relevância desse instrumento ao criar a Sudene, quando tinha apenas 38 anos de idade. Agora, aos 83 anos de idade, ele continua a nos pautar como uma referência de futuro.

A última citação de Lula a Celso Furtado foi feita na XI Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), em 14 de junho deste ano:

- Esta conferência também homenageia um economista cuja vida e obra encarnam o próprio espírito da luta pelo desenvolvimento, o economista Celso Furtado.

O que ele disse

"Muitos me dizem que o Brasil está repetindo os erros do passado. Eu digo: não é nada disso, o Brasil avançou muito. Mas a História está para se construir ainda."
Em 3-12-2003, ao receber o prêmio de Intelectual do ano na UERJ .

"Não é fácil ser governo no Brasil. Tem que escolher entre recessão ou endividamento externo. É uma economia aleijada: ou pára ou se endivida loucamente."
Em 1-9-2003, quando defendeu a moratória.

"Eu não imaginava que eles iriam tão longe no conservadorismo."
Em 18-8-2003, dia em que teve o nome lançado ao Nobel, ao comentar a política monetária.

"Desenvolvimento é ser dono do seu próprio destino."
Frase de Celso Furtado citada pelo presidente Lula em 29-7-2003 .

"Ao contrário de muitos países de nível de desenvolvimento semelhante, no Brasil a renda não se concentra para aumentar a taxa de poupança, e sim para aumentar o consumo dos mais ricos. A miséria de boa parte do povo brasileiro é a contrapartida do hiperconsumo de uma pequena minoria privilegiada."
Em 27-7-2003, discurso na cerimônia de recriação da Sudene.

"A luz que tem de iluminar tudo é a idéia de que queremos uma sociedade em que o homem tenha trabalho e possibilidade de abrir o seu caminho por conta própria."
Em dezembro de 2001 numa entrevista ao Jornal Brasil de Fato.

"O aumento da eficácia do sistema de produção não é condição suficiente para que sejam melhor satisfeitas as necessidades elementares da população. Tem-se mesmo observado a degradação das condições de vida como conseqüência da introdução de técnicas mais sofisticadas."
Trecho do livro Pequena introdução ao desenvolvimento, de 1980.

"A participação indireta e direta que durante 15 anos tive na formulação de políticas convenceu-me de que nossa debilidade maior está na pobreza de formulações teóricas e de idéias operacionais."
Trecho do artigo Aventuras de um economista brasileiro, de 1972.

"Transplantadas para um país como o nosso, as deduções do FMI resultam ser muito menos objetivas. Tidas em conta as flutuações da procura externa e a precária orientação dos investimentos, manter estável o nível de preços, sem outras medidas, pode custar desemprego permanente de parte da capacidade produtiva. Dessa forma, a estabilidade poderia ter um custo social mais alto do que a própria inflação."
Trecho do livro A pré-revolução brasileira, 1962.

O que disseram

"Ele só deixou o Cariri no último pau-de-arara. O Cariri dele era o Brasil. Um país que ele sonhava mais justo para todos os brasileiros."
Carlos Lessa. Recém-demitido do BNDES

"Perdemos um homem que sempre nos guiou e que para nós é um exemplo de vida. É um momento de tristeza, mas também de reafirmar que sou absolutamente fiel aos ideais do Celso Furtado. Que ninguém tenha dúvida disso."
José Dirceu. Ministro-chefe da Casa Civil

"Foi o primeiro a contar a importância do combate à desigualdade de renda para o crescimento de longo prazo. Ao longo de nossa História, ninguém o superou na compreensão dos desafios do desenvolvimento nacional."
Antonio Palocci. Ministro da Fazenda

"Sua cultura, sua obra pertencem a várias gerações. Seu pensamento estava sempre voltado para as causas nacionais e contra toda forma de imperialismo."
José Sarney. Presidente do Senado

"Pensava o Brasil para a maioria do seu povo e trabalhou para isso. É uma pena morrer sem ver seu sonho realizado."
João Paulo Cunha. Presidente da Câmara

"Tivemos uma convivência próxima no combate ao regime autoritário. Era um homem generoso e deu uma enorme colaboração à teoria sobre as assimetrias econômicas e sociais na América Latina."
Fernando Henrique Cardoso. Ex-presidente

"Foi um grande brasileiro, responsável pela construção das bases de renovação do pensamento econômico no país. É uma perda irreparável."
Armando Monteiro Neto. Presidente da CNI

"Foi um dos símbolos do nacionalismo e da luta por um Brasil desenvolvido, justo e soberano"
Rosinha Matheus. Governadora do Estado do Rio

"Homem lúcido que servia nos últimos tempos como uma espécie de alma crítica da nação. Vai fazer muita falta, principalmente agora que o neoliberalismo está tomando novas feições no Brasil."
Anthony Garotinho. Presidente do PMDB-RJ

"Não é uma perda apenas para os grandes economistas, é uma perda para a nação. É o homem que sintetizou ao longo de sua vida uma idéia de nação para o Brasil, que é uma nação interrompida."
Tarso Genro. Ministro da Educação

"Ajudou a compreender melhor o processo de desenvolvimento do país e suas limitações. Infelizmente, nos deixa com um vazio em termos de formulação econômica e desenvolvimentista."
Ricardo Berzoini. Ministro do Trabalho

"Foi o economista brasileiro que mais próximo chegou do Prêmio Nobel. Em 8 de janeiro, encaminhou um telegrama ao presidente Lula no qual o parabenizava pelo fato de o Brasil ser um dos primeiros a adotar um programa de renda básica."
Eduardo Suplicy. Senador (PT-SP)

"Não se pode entender a segunda metade do século XX neste país sem Celso Furtado. A Academia, o Brasil inteiro e mesmo o mundo inteiro estão num profundo luto."
Ivan Junqueira. Presidente da ABL

 

06/06/2006 - Atualizada em 05/06/2006