A escritora e crítica cultural Heloisa Teixeira, de 84 anos, se tornou na noite de sexta-fera (28) a décima mulher a tomar posse na Academia Brasileira de Letras (ABL), em cerimônia realizada no Salão Nobre do Petit Trianon. Uma das maiores pensadoras do feminismo brasileiro, a professora emérita da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) vai ocupar a cadeira 30, substituindo a escritora Nélida Piñon, morta em 2022.
— Descubro que essa é a primeira vez que acontece uma sucessão entre mulheres. Ainda somos pouquíssimas nessa Academia. A proporção é de dez mulheres por 339 homens — disse Heloisa no discurso de posse, no qual ressaltou que a missão da ABL é a defesa da língua e da literatura, o que evidenciaria o seu caráter político. — A língua não existe fora da sociedade, e o tecido social não existe sem ela.
Ao longo de sua carreira, a nova imortal assinou dezenas de livros como Heloisa Buarque de Hollanda — e foi eleita para a ABL, em abril, com o seu sobrenome de casada. Em entrevista recente ao GLOBO, contudo, ela contou que decidiu adotar o sobrenome da mãe, que foi tatuado em suas costas (a cena foi registrada no documentário “O nascimento de H. Teixeira”, com direção de Roberta Canuto e produção de Clélia Bessa, que está em fase de finalização).
— Eu acho muito importante porque é o sobrenome da minha mãe que estou assumindo. Deixei meu pai para lá e meu marido também. É uma virada importante aos 84 anos. Levou muito tempo, é uma coisa maturada na minha cabeça. Quero fazer uma linhagem com a mãe, feminina, como aqui na Academia eu quero fazer uma linhagem com as mulheres que me antecederam — disse Heloisa, em entrevista concedida em sua chegada à cerimônia de posse.
Presidente da ABL, o jornalista Merval Pereira afirmou que Heloisa é uma intelectual sempre à frente.
— Ela está sempre disposta a fazer coisas novas e é de importância vital para a cultura brasileira. É uma intelectual maravilhosa, que fez das quebradas uma faculdade para que as pessoas se dediquem aos estudos da periferia. Recebemos essa mulher com muito orgulho e prazer. A gente elegeu Heloisa Buarque de Hollanda e vamos dar o diploma para Heloisa Teixeira porque ela é assim, surpreendente.
A nova imortal recebeu o diploma de Fernanda Montenegro, e o colar foi entregue por Rosiska Darcy de Oliveira. O discurso de recepção foi feito por Ana Maria Machado, que saudou a diversidade de caminhos percorridos por Heloisa, uma "mestre em cruzar fronteiras".
— Quando começamos a conviver, ainda na década de 1960, logo me impressionou sua capacidade de equilibrar qualidades complementares, por vezes até julgadas opostas pelo senso comum — disse Machado, no discurso. — Como, por exemplo, a clareza racional e a intensidade afetiva. Ou a busca da solidez teórica e o simultâneo respeito ao improviso e à intuição. Aspectos raros de serem encontrados na mesma pessoa de forma balanceada, em configuração que logo aprendi a admirar.
Em sua trajetória na universidade, Heloisa conviveu com o agora colega de fardão Antonio Carlos Secchin.
— Foi minha professora na Faculdade de Letras da UFRJ e depois colega na pós graduação, quando me convidou para integrar a antologia "26 poetas hoje" — recorda o acadêmico. — Heloisa será, sem dúvida, uma ponta de lança a serviço da modernização que vem marcando, e não é de agora, a Academia, no que tange a diálogos com os vários estratos da literatura e da cultura do país.
Literatua, feminismo e cultura periférica
Pesquisadora nas áreas de literatura, feminismo, cultura digital e de periferia e políticas culturais, Heloisa Teixeira é formada em Letras Clássicas pela PUC-Rio e tem mestrado e doutorado em Literatura Brasileira pela UFRJ. Fez pós-doutorado em Sociologia da Cultura na Universidade de Columbia, em Nova York. É diretora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC-Letras/UFRJ) e criadora da Universidade das Quebradas, um programa de extensão na UFRJ que promove o diálogo de produtores culturais e artistas das periferias com a comunidade acadêmica.
Heloisa foi responsável por organizar coletâneas que revelaram novos nomes da literatura brasileira, como "26 poetas hoje" (de 1976) e "29 poetas hoje" (2021). Também publicou obras como "Macunaíma da literatura ao cinema" (de 1979); "Impressões de viagem" (de 1979), "Cultura e participação nos anos 60" (1982), "Pós-modernismo e política" (de 1991); "O feminismo como crítica da cultura (de 1994), "Asdrúbal Trouxe o Trombone: memórias de uma trupe solitária de comediantes que abalou os anos 70", "Explosão feminista" (2018), coleção "Pensamento Feminista" e "Feminista, Eu?" (de 2022).
A imortal será tema de dois documentários. Além de “O nascimento de H. Teixeira”, ela estará em “Helô”, dirigido por seu filho Lula Buarque de Hollanda, que trará imagens captadas há sete anos. O filme, que mostrará tanto o seu lado familiar (de avó) quanto a sua figura pública, aguarda a posse da autora na ABL para ser finalizado.
Matéria na íntegra: https://oglobo.globo.com/cultura/livros/noticia/2023/07/28/heloisa-teixeira-toma-posse-na-abl-essa-e-a-primeira-vez-que-acontece-uma-sucessao-entre-mulheres.ghtml
31/07/2023