O economista Eduardo Gianetti da Fonseca acredita que o governo Lula ainda não entendeu que o mundo mudou e que o cenário dos combustíveis fósseis já não é o mesmo desde os seus primeiros mandatos, quando posava com as mãos sujas de petróleo. Em entrevista a Vera Magalhães e Carlos Andreazza no podcast 2 + 1 – uma parceria CBN e jornal O Globo –, o professor e membro da Academia Brasileira de Letras reforçou a urgência para ‘colocar o Brasil do lado certo das mudanças’ e de se, enfim, cobrar outros países pela preservação da Amazônia.
‘Floresta de pé é um ativo de impacto planetário. Como todo ativo, o Brasil pode receber do mundo um pagamento que esse serviço presta para o planeta. Nós temos o direito de cobrar do mundo pela preservação e pela manutenção do serviço ambiental que a floresta presta’, afirma. ‘O mundo quer a floresta de pé? Reconhece a importância que tem para nós? Então, vamos pôr a mão no bolso.’
Um dos primeiros pensadores brasileiros a trazer a questão ambiental para o debate econômico, Giannetti foi o responsável pelos planos econômicos das campanhas presidenciais de Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, nos anos 2010, 2014 e 2018. É justamente no campo de aproveitar recursos nacionais que o economista encontra a possibilidade de crescimento brasileiro, entre economia de baixo carbono, tecnologia de hidrogênio verde e espaço para produção de alimentos.
‘Essas mudanças mais recentes no âmbito da economia global são potencialmente muito benéficas para o Brasil’, reforça. ‘Os elementos estão dados, se nós conseguirmos arrumar minimamente nossa casa e mostrar um ambiente de negócios capaz de atrair recursos e dar a eles um horizonte de retorno minimamente seguro... A bola está pingando na área para o Brasil chutar.’
Sob um viés ‘cautelosamente otimista’ com os primeiros meses de governo Lula, Giannetti abordou, assim, quais são as percepções sobre a nova gestão petista:
‘Economia é muito um jogo de expectativas. O que as pessoas acreditam sobre o futuro acaba se tornando o futuro. É uma espécie de meteorologia em que a previsão do tempo afeta o próprio tempo’, define. ‘Acho que o governo Lula, nesse início, ganhou a batalha das expectativas: o real se apreciou, a bolsa está num patamar bastante razoável, o Risco Brasil caiu, a inflação está caindo, crescimento surpreendeu para o bem.’
O perigo, segundo Giannetti, porém, não está em alguns anos de déficit primário moderado, mas se o crescimento da dívida pública seguir em uma trajetória que o mercado financeiro considere ‘explosiva’ e os juros só aumentem exponencialmente.
‘Gostaria de ver um arcabouço fiscal onde a questão do gasto público também fosse contemplada. Acho que tem espaço, tem muita coisa para fazer, mas considero que o arcabouço, tal qual foi apresentado por Fernando Haddad, conseguiu um equilíbrio que não é trivial entre manter as propostas de campanha e ao mesmo tempo dar ao mercado financeiro o que ele precisa, que é um horizonte no qual se perceba que, ao longo do tempo, a dívida pública deixe de continuar crescendo como a proporção do PIB’, explica.
A condução do Ministério da Fazenda por Haddad vem logo após a gestão do então Ministério da Economia, que foi comandado pelo ex-ministro Paulo Guedes durante os quatro anos do governo Bolsonaro. Apesar de reconhecer as circunstâncias ‘muito fora da realidade’, como pandemia e Guerra na Ucrânia, Giannetti enfatiza que foi o fato de não ter sido apresentada reforma tributária alguma em quatro anos que o ‘desaponta profundamente’, além do ‘populismo fiscal desastroso’.
‘Outro dia, por coincidência, encontrei Paulo Guedes numa fila de embarque no Aeroporto Santo Dumont. Ele passou 20 minutos tentando me convencer de que tudo de bom que está acontecendo agora, na verdade, foi o governo e equipe dele que plantou. Não contestei, embora não acredite nisso, mas uma coisa eu disse: ‘Que bom, Paulo, que pelo menos você reconhece que coisas boas estão acontecendo agora’, relembra.
Porém, enquanto os rumos da economia surpreendem Giannetti, outros setores são vistos com ressalvas. Além de críticas à política externa de Lula, como em declarações sobre Putin que mostrariam que o presidente brasileiro está ‘ouvindo as pessoas erradas’, o economista fez duras críticas a uma área supostamente valorizada pelo governo: a educação.
‘Lamento, não estou vendo no governo Lula a ênfase à prioridade que uma melhoria substantiva do ensino fundamental demanda e exige do Brasil’, diz. ‘O futuro do Brasil não vai ser resolvido em reunião do Copom, em petróleo da Amazônia, em ministros e gabinetes. Vai ser resolvido nas milhares de salas de aula espalhadas pelo nosso país. Não estou vendo a seriedade que esse assunto mereceria ter num governo com o perfil que o governo Lula imagina ter.’
Para o economista, as críticas ao governo vão para além do Executivo. Estendendo análise à Câmara dos Deputados e ao Senado, Giannetti usa uma referência à biologia para definir o Executivo e o Legislativo, comandado desde a redemocratização pelo Centrão. Na ideia de ‘biologia política’, o governo federal seria um hospedeiro, e os legisladores, parasitas que foram se ‘assenhorando’ do poder e ‘submetem o Executivo a constante chantagem’.
‘No momento em que o hospedeiro fraqueja e começa a ficar vulnerável, o parasita se alvoroça e começa a avançar. Quando o hospedeiro, no final do mandato já está completamente enfraquecido, anêmico, o parasita está dando as cartas, está deitando e rolando em cima do hospedeiro’, define.
Além do Legislativo, o Judiciário apresenta, segundo Giannetti, uma série de problemas quanto ao Judiciário, como quanto às sentenças de ‘excessos aparentes que redundam em retrocessos’: ‘Como foi o caso da Lava-jato: aplicaram sentenças monumentais para figuras notoriamente corruptas e hoje estão todos soltos. (...) Preferiria [sentenças] menos heroicas, e mais factíveis.’
Em um momento de diminuição da tensão entre Executivo e Judiciário, após período de um ‘estado de guerra permanente’ e ‘desconfiança mútua’, Giannetti critica a atual superexposição de ministros:
‘Costumava dizer que quando economista e advogado começam a aparecer demais é porque tem alguma coisa errada, e vou incluir agora ministros do Supremo Tribunal Federal. Não é para aparecer todo tempo dando entrevista, dando showzinho, fazendo festas caríssimas fora do Brasil para convidados brasileiros, acho isso uma coisa escandalosa, errada. Gostaria de ver um Supremo mais contido.’
Matéria na íntegra: https://oglobo.globo.com/podcast/noticia/2023/09/14/eduardo-giannetti-diz-que-o-mundo-deve-pagar-pela-amazonia-quer-a-floresta-de-pe-vamos-por-a-mao-no-bolso.ghtml
15/09/2023