A Academia Brasileira de Letras completa 127 anos e vem inovando, sobretudo com a entrada mais mulheres. Tudo começou com ela, Raquel de Queiroz, em 1977. Tardiamente sem dúvida, mas foi o primeiro passo para revolucionar o status quo. Sua chegada à ABL repara um erro histórico com a não admissão da escritora Júlia Lopes de Almeida. Mas Raquel chegou e implantou um novo tempo. Como parte das comemorações a ABL concedeu o prêmio Machado de Assis à poetisa Adélia Prado.
Sem dúvida, um reconhecimento importante. Adélia é uma escritora singular por sua vasta produção poética ao longo de décadas. Com seu jeito mineiro marcou presença.
Nasceu em 1935 na cidade de Divinópolis, e ainda menina, apaixonou-se pela escrita, mas somente aos 40 anos, já casada e com cinco filhos, ela passou a se dedicar integralmente à carreira de escritora. De Carlos Drummond de Andrade teve o aval, e por suas mãos seu primeiro livro foi publicado, ‘Bagagem’, sua coletânea de poesias mais celebrada.
Uma poetisa de trajetória plena. Justa e merecida homenagem da ABL em uma bela cerimônia que contou com a presença do ator Tony Ramos lendo algumas poesias de Adélia. ‘ Eu não desejava de declamar os poemas apenas. Gostaria que fosse um papo entre amigos, um sarau. Adélia é definitiva, homenagem mais que merecida’, comenta Tony Ramos. Ana Prado, filha de Adélia, que a representou não escondeu a emoção e se disse muito honrada em representar sua mãe e sua família.
Falou da alegria da autora com o prêmio, do quanto à poetisa deseja continuar trabalhando e da importância de cada vez mais mulheres serem reconhecidas e laureadas.
Nesse fluxo foi eleita em junho mais uma mulher, a antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz para a cadeira número 09, na vacância do historiador Alberto da Costa Silva a quem considerava como pai, como declarou algumas vezes. Lilia é a 11ª mulher a ter assento na ABL, ou seja, menos de 1% do total de homens eleitos.
Sua chegada fortalece o time feminino de pensadores da Casa de Machado de Assis. É a primeira professora da USP e também professora visitante na Universidade de Princeton (EUA) a se tornar imortal. É uma das mais respeitadas estudiosas das questões raciais no Brasil. Já publicou quase 30 livros, entre títulos que escreveu sozinha, em parceria e organização de dicionários temáticos.
Dona de uma carreira brilhante e profícua, uma mulher que faz diferença. Indubitavelmente fará essa diferença ao lado de seus pares, especialmente das mulheres.
Completando esse time de peso, Heloisa Teixeira lançou recentemente mais um título de vital importância ‘ Rebeldes e Marginais: Cultura dos anos de chumbo’, no ano marcado por seis décadas do golpe militar. Helô como é conhecida vem percorrendo um caminho único.
É professora emérita da UFRJ, mestre e doutora em Literatura Brasileira, tem em seu currículo inúmeros títulos sobre o universo feminino e outros tantos sobre cultura.
Heloisa é uma pensadora no sentido mais intrínseco da palavra cuja contribuição perpassa por momentos históricos do Brasil, inclusive pela famosa festa de revellion de 1968 que entrou para história e fez história. Desde sua chega à ABL Heloisa traz pautas pertinentes e necessárias.
Entre os destaques idealizou o ciclo ‘Machado de Assis e a questão racial’, onde foram discutidos vários assuntos sob esse prisma até então muito pouco abordado. O ciclo faz parte do curso de formação de escritores “Machado Quebradeiro” para jovens das periferias, dentro do projeto Universidade das Quebradas, que Heloisa idealizou e pilotou com enorme sucesso. Fechando com chave de outro a acadêmica tem sua trajetória eternizada no documentário “Helô” iniciativa de seu filho, Lula Buarque de Hollanda diretor e produtor.
A idéia central é capturar o pensamento dessa mulher, historiadora, professora, ensaísta, escritora de olhar atento e presença forte na história brasileira, além de focar em lembranças de seu papel fundamental como agitadora cultural de diversos movimentos a partir doa anos 1960, e ainda, mostrar o dia a dia eletrizante de alguém com muitas facetas, que se divide entre aulas, palestras, escritos, atenção aos filhos, netos e amigos.
Sua interlocução em pautas e movimentos sempre necessários também faz o recorte do documentário. Sem aspirar a Acadêmica, sua entrada faz parte desse frescor que a Casa vem trazendo, e por tudo que representa não poderia deixar de lá estar. Bem ao seu jeito dispensa ser chamada de grande intelectual, mas a despeito de sua modéstia, Helô é um sopro de felicidade pro Brasil pensante e presença fundamental na ABL.
Encerrando as recentes demandas femininas da Academia, sob coordenação de outra importante acadêmica Rosiska Darcy, editora da Revista Brasileira, foi lançada a nova edição da revista “A Força da Palavra” contando com nomes fortes nessa publicação entre eles Ailton Krenak, Joaquim Falcão, Antônio Carlos Secchin e outros.
O lançamento contou com mesa redonda reunindo os acadêmicos Joaquim Falcão, Ruy Castro, Rosiska Darcy e Fernando Gabeira. A jornalista Cristina Aragão fez a mediação. Segundo Rosiska ‘ a força da palavra não se extingue. Há uma ameaça quando a tecnologia usada contra a liberdade reduz e desintegra a palavra e o pensamento.
Mas os que lidam com palavras têm também seus instrumentos pacíficos. A imaginação artística e a literatura em todas as suas formas resistem’. E resistência é uma palavra e uma atitude que essas mulheres conhecem de perto. Faz parte de suas jornadas. Elas seguem movimentando a história. Solo sagrado brasileiro.
Matéria na íntegra: https://www.ultimahoraonline.com.br/noticia/mulheres-na-abl
08/08/2024