Joana e Manu invadem com desespero o elevador quando ele chega à cobertura da Rua João Lira, no Leblon, onde a escritora Heloisa Buarque de Hollanda mora há três anos. As duas golden retrievers mais Bob, um vira-lata caramelo, dividem a casa e a vida com Heloisa, que aos 83 anos se vê pela primeira vez sozinha e “amando” a experiência.
“Estou mais livre e com tempo de sobra. Tudo novo de novo”, diz, aos risos, após viver um casamento apaixonado de 50 anos com o fotógrafo João Carlos Horta, morto em 2020.
Maior pensadora do feminismo brasileiro, com mais de 50 livros publicados, se aproximou do movimento nos anos 1980 – quando passou a enxergar “barbaridades” até no próprio discurso. Agora se prepara para escrever sobre envelhecimento, o próprio. E também para viver, a partir da posse, em 28 de julho, o que lhe reserva a Academia Brasileira de Letras (ABL) – lugar que lhe causa, ao mesmo tempo, hesitação e fascínio. “Imagino que esse último brinquedo aí vai ser bom”, diz sobre a ABL sua mais nova imortal e décima mulher a ocupar uma cadeira na instituição em 125 anos.
Nascida em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, Heloisa mudou-se com a família para o Rio de Janeiro aos 4 anos. Segunda filha de um médico professor e uma dona de casa, não escapou do desejo do pai e repetiu, à risca, o caminho dele: ambos são figuras eméritas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (a UFRJ).
Aos 70, quando uma aposentadoria compulsória lhe foi empurrada, Heloisa disse não. “Continuei e continuo na universidade, e agora em dois projetos: Universidade das Quebradas e a pós-graduação de Letras”, conta. A Universidade das Quebradas, que criou em 2008, é como um quarto filho para ela. “Desenvolvi um programa sofisticado, uma troca de saberes. O resultado tem sido impactante. Quem passou pelo Quebradas está nas fundações, em governos”, diz, orgulhosa, a também mãe de Lula, André e Pedro, todos cineastas.
Autora de livros como a antologia 26 Poetas Hoje, de 1976, que destacou, por exemplo, Ana Cristina Cesar; Explosão Feminista: Arte, Cultura, Política e Universidade, de 2018; e Macunaíma, da Literatura ao Cinema, de 1978, Heloisa foi na contramão das tendências e olhou para os movimentos antes de serem pauta na academia. Na verdade, foi ela quem os pautou e os levou também para fora da universidade, criando um intercâmbio de saberes entre a teoria e a vida.
A Marie Claire – que recebeu com café coado e bolo de chocolate em uma segunda-feira do último maio – ela abre o coração e fala de temas muito além do feminismo. Conta do que perdeu com a passagem dos anos, dos planos que tem para o presente, de como o contato com culturas marginalizadas a transformou e dos dois abortos que fez.
Confira a entrevista na íntegra: https://revistamarieclaire.globo.com/entrevista-do-mes/noticia/2023/07/heloisa-buarque-de-hollanda-a-gente-e-machista-embaixo-da-pele.ghtml
17/07/2023