O escritor R. Magalhães Júnior escreveu um artigo para a revista “Manchete”, em 1967, sobre a posse de João Guimarães Rosa na Academia Brasileira de Letras. Segundo ele, “poucas vezes um acadêmico tomara posse tão sem alegria”.
O novo imortal já tinha adiado várias vezes a cerimônia de ingresso na seleta Casa de Machado de Assis. A verdade é que Guimarães Rosa temia pela sua saúde. Ele não queria morrer cedo. Por isso, pediu ao então presidente da Academia, Austregésilo de Athaíde, que suspendesse a sessão de posse caso levasse a mão à testa. Três acadêmicos que eram médicos estavam de prontidão caso acontecesse alguma coisa.
O evento transcorreu conforme o esperado e João Guimarães Rosa se tornava o mais novo escritor imortalizado pela Academia. Porém, o pressentimento do autor de “Sagarana” se confirmou três dias depois: um infarto colocou um ponto final na escrita do autor que revelou para o mundo o sertão brasileiro e sua gente.
João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo, no interior de Minas Gerais, em 26 de junho de 1908. Logo se mudou para Belo Horizonte, onde concluiu seus estudos. Em 1925, ele se formou em Medicina.
Durante a Revolução Constitucionalista de 1932, Guimarães foi médico dos soldados mineiros que lutaram contra os paulistas. Neste período, ele conheceu o médico Juscelino Kubitschek.
A medicina começou a ficar em segundo plano a partir de 1938, quando deu início à carreira diplomática, atuando na Alemanha. Durante a Segunda Guerra Mundial, Guimarães Rosa estava em um hotel em Berlim enquanto esperava a autorização para deixar o território alemão. Um avião da Força Aérea Britânica iniciou um bombardeio de madrugada. O hotel foi atingido e alguns hóspedes morreram. Ao recordar esse evento para Magalhães Júnior, ele disse: “Já imaginou se eu tivesse sido um deles? Ninguém saberia que eu tinha existido”. Sua mulher, Aracy Moebius de Carvalho, com seu apoio, deu vistos para judeus escaparem para o Brasil. Eles eram antinazistas.
Ainda bem que Guimarães Rosa escapou desse ataque porque seu nome se eternizaria na literatura a partir de 1946, quando lançou “Sagarana”. Dez anos depois, o romance “Grande Sertão: Veredas” o tornaria conhecido mundo a fora (por sinal, vai sair uma nova tradução na Alemanha). O regionalismo e a liberdade linguística associada à paisagem do sertão que ele tão bem conhecia o credenciou a voos mais altos como a Academia Brasileira de Letras e o Nobel de Literatura. Seus livros foram traduzidos para vários idiomas. Magalhães Júnior recordou também no seu artigo uma visita que ele e Rosa fizeram à feira de livros de Frankfurt, na Alemanha. Eles viram um exemplar da edição francesa de “Noites do Sertão” feita pela Éditions du Seuil, que não tinha sido lançada no Brasil. Magalhães apresentou Rosa para os editores e pediu que enviasse um exemplar para ele. O escritor ficou sem graça. “Você, meu caro Rosa, ainda não conhece a sua importância. Seria o cúmulo deixar o seu livro abandonado”, disse Magalhães.
João Guimarães Rosa foi eleito para a Academia Brasileira de Letras para ocupar a cadeira de João Neves da Fontoura. Sua posse aconteceu no dia 16 de novembro de 1967 e Afonso Arinos foi o responsável por recebê-lo na Casa de Machado de Assis. Três dias depois, ele sofreria um infarto que o mataria com apenas 59 anos de idade. Magalhães Júnior foi muito feliz ao batizar o seu artigo para a “Manchete”, homenageando o escritor de Cordisburgo, de “Guimarães Rosa: a segunda imortalidade”. As 72 horas vividas como imortal foram sobrepostas por aquela imortalidade de quem é lido e relido em várias línguas até os dias de hoje como é João Guimarães Rosa.
28/06/2023