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ABL na mídia - Folha de São Paulo - José Murilo de Carvalho mostra como país falhou nos valores cívicos

 

José Murilo de Carvalho deixou obra incontornável sobre a construção do Império brasileiro e a formação da sociedade no começo da República, destacando como o país falhou, nesses momentos históricos cruciais, em criar uma cultura cívica que superasse o elitismo, o patrimonialismo e o militarismo. Morto aos 83, o historiador deixa às novas gerações a tarefa de enfim aprofundar a cidadania no Brasil.

José Murilo de Carvalho foi um dos mais influentes acadêmicos de sua geração. No campo da ciência política, atuou nos programas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). No da história, foi pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa e do programa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). T

Tendo se doutorado na Universidade Stanford (EUA), foi professor visitante em um sem número de outras, como Oxford (Reino Unido) e Princeton (também nos EUA). Recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade de Coimbra. A consagração definitiva chegaria com sua eleição para as mais antigas e prestigiosas instituições culturais do país: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e a Academia Brasileira de Letras (ABL). 0 O historiador José Murilo de Carvalho na biblioteca de sua casa, no Rio - Raquel Cunha-25.mai.19/Folhapress.

Para quem o conhecia, chamava a atenção o contraste entre a monumentalidade de sua obra e a sua personalidade, referida por Ruy Castro como tímida e modesta. Eu acrescentaria esquiva, especialmente em ambiente mundano. Essa discrição indicava, claro, sua origem de mineiro do interior, de que se orgulhava, mas havia mais que o estereótipo regional.

Nascido em 1939, José Murilo estudou em colégio de padres e militou na Ação Popular, grupo cristão de esquerda, ajudando na organização de sindicatos rurais. Para além da "mineirice", havia também certo espírito de missionário franciscano, que como cientista social cedo elegeu o Brasil como a comunidade ou "República" a cujo serviço se devotaria.

Ele acreditava que os males do Brasil decorriam da insuficiência do equivalente cívico das virtudes cristãs, que eram as virtudes republicanas. Nada surpreendente, já que desde Tiradentes e Teófilo Otoni a república sempre foi o tema por excelência da intelectualidade mineira. P

Para bem servir à república como intelectual público (o equivalente secular do missionário), cumpria conhecê-la em sua formação. As inquietações de José Murilo decorriam do trauma comum a toda a primeira geração de cientistas políticos profissionais, o golpe de 1964.

Eles todos haviam na mocidade embarcado no sonho nacionalista e desenvolvimentista de Getúlio e JK. Acreditavam, pela leitura dos intelectuais do Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), como Hélio Jaguaribe e Guerreiro Ramos, que a modernidade brasileira começou com a urbanização e a industrialização a partir da Revolução de 1930; e que as reformas de base eram o corolário lógico de uma nação que não mais cabia na moldura oligárquica do tempo anterior.

A marcha ascensional para patamares superiores de autonomia e igualdade era inevitável. Daí o choque de 1964, que levaria José Murilo a empregar o melhor de suas energias na revisitação do processo de formação do Estado e da sociedade brasileira anterior a 1930, em busca das causas dos males presentes.

*Christian Lynch é professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), editor da revista Insight Inteligência, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa

Artigo na íntegra: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/08/jose-murilo-de-carvalho-mostra-como-pais-falhou-nos-valores-civicos.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa

23/08/2023