Conheci Antonio Cicero em 2012, quando ele participou do Leituras Sabáticas, na TV Estadão. Ele veio para comentar o livro que estava lançando, Porventura (Record), sua volta à poesia depois de 10 anos sem publicar nada do gênero, e ler alguns poemas.
A ideia do programa, do caderno Sabático, era essa: o autor lendo seu próprio texto. Era especial. O angolano Pepetela veio (e desenhou um gatinho no meu livro, junto com sua dedicatória). A portuguesa Lídia Jorge também. Caetano Galindo, sensação naquele início de década por causa de sua tradução de Ulysses, leu trecho do texto cult de James Joyce.
Poeta e ensaísta, Antonio Cicero lê poemas de seu recém-lançado Porventura, que marca sua volta ao gênero depois de 10 anos dedicando-se a ensaios filosóficos e letras de músicas
Mas, sem saber, conheci Antonio Cicero nos anos 1980. Eu gostava de Marina. Lembro até hoje da loja de discos onde comprei Virgem.
Voltei a Porventura ontem, depois da notícia de sua morte - que comoveu amigos e o meio literário, e que me comoveu.
Transcrevo alguns poemas de Cicero daquele livro. Mas, antes, leia, e ouça, Guardar, um de seus textos mais conhecidos.
Guardar
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não
se guarda coisa alguma. Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto
é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se
declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é,
velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela
ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro
Do que pássaros sem voos.
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.
Matéria na íntegra: https://www.estadao.com.br/cultura/babel/guardar-o-fim-da-vida-e-outros-poemas-leia-textos-de-antonio-cicero-veja-video/