paleoartista s.2g.; paleoartístico adj.
Toda criação artística (ilustração, pintura, escultura, animação digital, etc.) que busca reconstruir elementos do mundo pré-histórico (animais, plantas, ambientes) com base em fósseis e nos conhecimentos científicos correntes, seguindo os preceitos da anatomia, ecologia e etologia.
“O termo ‘paleoart’, que é uma fusão das palavras ‘paleontological art’ (Witton, 2018), originou-se a partir da palavra ‘paleoartist’, usada pelo artista americano Mark Hallett ao explicar o seu processo de criação e pesquisa em 1987 com a cooperação das equipas de paleontólogos (Czerkas & Olson, 1987): ‘O extenso conhecimento de um proeminente pesquisador, quando combinado com as habilidades do paleoartista, pesquisa independente, e o entendimento sobre anatomia e comportamento animal, assim como as informações embasadas de outros especialistas e colegas artistas, são a chave para a criação acurada de um dinossauro ou de outra forma de vida extinta.’ Além de cunhar o termo nesta afirmação, Mark Hallett ressaltou pontos fundamentais do processo paleoartístico, os quais viriam a ser empregados no futuro em outras definições do termo paleoarte. Todavia, o conceito formal para a palavra paleoartista só viria a ser criado em 2002, com a publicação de Debus & Debus: ‘o artista (moderno) que cria reconstruções esqueléticas genuínas e/ou restaurações de animais pré-históricos, ou restaura a flora ou invertebrados fósseis, utilizando-se de procedimentos reconhecidos e aceitáveis.’ (Debus & Debus, 2002 como citado em Ribeiro, 2009, p. 3). A despeito desta recente designação, o início desta tradição visual é mais antigo e consolidou-se na Inglaterra no início do século XIX, enquadrando a paleoarte, portanto, como um movimento do período contemporâneo que visa à reconstrução do passado pré-histórico (Lescaze, 2017).”1
“Para sanar este tipo de problema e tentar estabelecer uma definição comum, em 2015, os paleontologistas Marco Ansón Ramos e Manuel Hernández Fernández, e o artista Pedro A. Saura Ramos realizaram um questionário, que posteriormente foi transformado num artigo. Dele participaram cem paleontologistas de dez países diferentes. Considerando o resultado da pesquisa e todo o contexto da disciplina, eles chegaram à conceituação de que a paleoarte é (Ansón et al., 2015): ‘Qualquer manifestação artística original que tente reconstruir a vida pré-histórica retratada de acordo com o conhecimento corrente e a evidência científica no momento da criação da obra de arte. Como tal, esta obra deve mostrar um alto nível de habilidade artística e conhecimento em anatomia, ecologia e etologia.’”2
“Trazer à vida bactérias pré-históricas, gigantescos dinossauros, animais e ambientes extintos há milhares de anos não é apenas tarefa da ciência. É também da arte, ou – o termo mais adequado – dapaleoarte, atividade a meio caminho entre a paleontologia e as artes plásticas. Ilustrações, esculturas, animações virtuais e até robôs que dão vida a fósseis – tudo criado por profissionais que podem ter tanto formação artística quanto científica. Um passado longínquo retratado com a estética de hoje. É este o cenário do 2º Congresso Internacional de Arte Paleontológica, no Museu Nacional do Rio de Janeiro, local da exposição. [...] ‘É preciso equilibrar arte e ciência’, diz Maurílio Oliveira, paleoartista do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) há sete anos e um dos pioneiros da área no Brasil. ‘É preciso ser correto cientificamente, além de ter talento artístico. Senão não adianta.’ A paleoarte é uma área em constante aperfeiçoamento. Conforme se descobrem novos fósseis as ilustrações e réplicas são refeitas. ‘A ciência muda e a paleoarte vai acompanhando’, diz Oliveira. ‘A gente costuma dizer que as nossas primeiras peças são de doer e outras vão ficando melhores, pois vamos acrescentando mais informações e nos aproximando da realidade.’”3
“O cenário nacional é relativamente pouco desenvolvido na área de reconstituição de seres extintos, porém já se apresentam artistas trabalhando com a paleoarte. Maurílio de Oliveira foi um dos pioneiros no Brasil, começando em 1999 (Oliveira, comunicação pessoal). Os paleoartistas mais conhecidos (que possuem mais trabalhos divulgados) são Maurílio de Oliveira, Orlando Grillo, ambos no Rio de Janeiro, Ariel Milani, São Paulo, e Felipe Elias e Renata Cunha de Rio Claro. Maurílio trabalha para o Museu Nacional no Rio de Janeiro, realiza principalmente ilustrações com tinta acrílica e esculturas de isopor e massa epóxi. Seu traço é bastante singular e facilmente identificável com cores fortes e muitos detalhes [...]. Orlando Grillo é relativamente novo na área, mas realiza projetos excepcionais também no Museu Nacional; além de esculturas e ilustrações, começa a desenvolver projetos no ambiente digital como estudos de biomecânica em softwares de modelagem digital (Grillo, 2007). Ariel Milani [...] retrata animais principalmente da Bacia Bauru. Seus trabalhos são geralmente em acrílica e também faz esculturas. Felipe Elias avança para o cenário digital, porém bidimensional, com técnicas que misturam esboços manuais com acabamento digital. Seu traço possui um direcionamento para a divulgação científica entre crianças e jovens com contornos fortes, anatomia bem trabalhada e expressão nos olhos. Geralmente usa animais desenhados sobre ambientes fotografados e desfocados [...]. Renata Cunha trabalha principalmente com o lápis grafite, lápis de cor e tinta, mostrando um cuidado especial com a anatomia.”4
“A paleoarte não retrata apenas dinossauros. Segundo Vítor Silva, seu trabalho, assim como de outros paleoartistas, consiste em retratar a vida pré-histórica (animais, plantas, ambientes ou mesmo os próprios fósseis) unindo técnicas artísticas e rigor científico. ‘A paleoarte – ou paleontografia (termo mais formal) – consiste na representação visual de hipóteses científicas sobre a anatomia, aparência ou as relações ecológicas de espécies fósseis. Essas hipóteses são formuladas a partir do estudo sistemático dos fósseis, um campo de domínio da paleontologia’, aponta o paleontólogo e paleoartista Felipe Alves Elias, pesquisador do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP). Um trabalho de paleoarte utiliza desde técnicas tradicionais de desenho com nanquim até modernos softwares de edição de imagens, além de modelagem/escultura, animação etc. ‘Uso técnicas digitais e tradicionais. No tradicional, trabalho com ilustração 2D (nanquim ou grafite sobre papel) e com esculturas em escala, utilizando porcelana fria. No digital, faço ilustrações utilizando uma mesa digitalizadora e o photoshop’, conta Silva. O resultado pode ser uma ilustração, uma escultura, uma animação digital e até mesmo um robô. [...] A aplicação da paleoarte é vasta. As obras criadas por esses artistas podem compor projetos científicos, servir como ferramentas de divulgação para o público em geral em mostras e exposições, ilustrar livros didáticos etc. ‘Tive o privilégio de participar de diversos projetos, abrangendo vários segmentos com diferentes alcances, desde exposições temporárias e projetos em museus, livros, revistas, jornais e até mesmo álbuns de figurinhas’, conta Elias, do Museu de Zoologia da USP.”5
“Descobri que não queria ser paleontólogo, queria desenhar dinossauros. Entrei na faculdade de desenho industrial no campus de Bauru da Universidade Estadual Paulista [Unesp] e fiz iniciação científica em paleoarte. Era uma área que quase não existia: havia poucos paleoartistas no Brasil e mesmo no exterior não tinha uma descrição publicada de como reconstituir dinossauros usando computação gráfica. Descrevi uma metodologia detalhada, como uma receita, que orienta o artista para que consiga reconstruções melhores. [...] Chamamos de paleodesign a aplicação do design à paleontologia. Juntei o processo de planejamento do design – um passo a passo para projetar algo com um objetivo – com os melhores suportes artísticos e as descobertas mais recentes da ciência. Basicamente era analisar o fóssil, coletar o máximo de informação possível sobre o animal. Se as partes não estivessem preservadas, eu buscava animais semelhantes para completar as lacunas e reconstruir o esqueleto. A partir disso, consigo estudar as marcas de inserção dos músculos nos ossos e, comparando com outros, construir a musculatura. Depois, com o volume definido, reconstruo a pele com base em animais atuais que são aparentados, comam a mesma coisa ou vivam em lugares parecidos. A partir disso posso inferir padrões de camuflagem e textura. Depois construímos o ambiente, com base nas plantas que foram encontradas e no sedimento, entre outros parâmetros. Chega-se a um ponto onde é possível dizer: com os dados que temos agora, esse animal é o mais realista e fidedigno possível.”6
“‘Eu achei fantástico porque nunca tinha tido isso no mundo e isso abre um precedente para a paleoarte do futuro, que vai ser cada vez mais interativa e tecnológica’, considerou [Rodolfo] Nogueira que, além dos 15 prêmios internacionais, tem cinco premiações nacionais. O projeto que venceu o Prêmio 3D do X Concurso Internacional de Ilustração de Dinossauros partiu da tomografia de fragmentos do crânio encontrados no sítio de Buriol, em São João do Polêsine, na Região Central do Rio Grande do Sul, em 2010. ‘Para chegar a essa ilustração final foram dois meses de estudo e construção do modelo e da animação’, complementou o artista. Em 2020, a ilustração vencedora de Nogueira foi capa da revista científica Nature. No ano passado, o artista uberabense venceu, pela terceira vez, o Lanzendorf National Geographic Prize, premiação com aporte da National Geographice que homenageia anualmente os melhores paleoartistas do mundo.”7
1 CARVALHO, Victor Feijó de. A aplicação da paleoarte e do desenho científico na representação da classe reptilia. Dissertação de Mestrado em Desenho. Portugal: Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas-Artes, 2019. Disponível em: https://repositorio.ul.pt/handle/10451/42117. Acesso em: 25 set. 2022.
2 Idem, ibidem.
3 MOUTINHO, Sofia. Pré-história une arte e ciência. Ciência Hoje On-line, 27 ago. 2009. Disponível em: https://cienciahoje.org.br/pre-historia-une-arte-e-ciencia/. Acesso em: 25 set. 2022.
4 RIBEIRO, Rodolfo Nogueira Soares. A intervenção do design na paleontologia. Projeto de Conclusão de Curso de Desenho Industrial com habilitação em Programação Visual, do Campus de Bauru – UNESP, 2009. Disponível em: https://www.faac.unesp.br/Home/Departamentos/Design/ProjetosApresentados.... Acesso em: 25 set. 2022.
5 BUENO, Chris. Paleoarte une arte e ciência. Ciência e Cultura, v. 67, n. 4, São Paulo, out.-dez. 2015. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67.... Acesso em: 25 set. 2022.
6 GUIMARÃES, Maria. Dinossauros quase reais. Revista Pesquisa Fapesp, edição 311, jan. 2022. Paleontologia. Artes Visuais. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/dinossauros-quase-reais/. Acesso em: 25 set. 2022.
7 MANFRIM, Renato. Paleoartista de Uberaba vence categoria inédita em concurso internacional. Correio Braziliense, 5 set. 2022. Brasil. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2022/09/5034690-paleoartist.... Acesso em: 25 set. 2022.