gentrificar v., gentrificador adj. s.m. (fenômeno gentrificador)
Processo de revitalização econômica e transformação social, com investimento na infraestrutura de uma área urbana de habitação popular, geralmente com sinais de degradação física, o que ocasiona a valorização dos imóveis e aumento do custo de vida, afastando os antigos residentes e comerciantes e atraindo outros com maior poder aquisitivo; enobrecimento de área popular. [Do ingl. gentrification (de gentry, ‘pequena nobreza’).]
“O contexto histórico específico para que certos segmentos intelectuais e a sociologia/ antropologia urbana tenham se interessado em nomear e classificar algo como gentrificação foi a segunda metade do século XX. Na Europa, conforme estudos de Jean-Yves Authier (2001) e Catherine Bidou-Zachariasen (2003), os processos de intervenção urbana em bairros antigos vêm ocorrendo desde a década de 1970. Embora o fenômeno da gentrificação também envolva casos de áreas de ocupação recente, sua dinâmica se estabelece em urbanidades consolidadas por várias gerações e diferentes situações históricas de apropriação em zonas mais centrais das cidades. Muitos desses espaços passam a ser conhecidos como ‘centros históricos’. São construídos conceitualmente a partir do crescimento das cidades e a consequente formação de outras centralidades políticas e comerciais (os bairros ditos ‘nobres’), seguida pela valorização que as classes médias e abastadas atribuem a essas novas centralidades, formadas, na maioria das vezes, com respaldo do planejamento municipal. Os bairros e centros históricos são, comumente, alvos de ações de reconhecimento patrimonial histórico que passam a regular (por meio de trabalhos de fiscalização) aspectos estéticos e paisagísticos das edificações e a própria urbanidade.”1
“No processo de invenção e constituição de bairros e centros históricos, urbanidades passíveis de gentrificação, existem algumas ideias e práticas que são reproduzidas cotidianamente por diversos segmentos da sociedade. Esses ‘lugares-comuns’ estabelecem critérios de interpretação da realidade e delineiam a plausibilidade discursiva do referido fenômeno urbano. Os lugares-comuns mais recorrentes quando o assunto é bairro e centro histórico são: 1. o discurso do ‘abandono’ e 2. a necessidade de fruição cultural. Denomino aqui ‘lugar-comum’ ideias e ações que tendem a estabelecer critérios de interpretação objetiva da realidade, delineando uma plausibilidade discursiva de determinados fenômenos sociais, ganhando grande público de consumidores que logo passam a usá-las sem uma maior reflexão do uso.”2
“O termo gentrificação surge pela primeira vez na década de 60 do século XX, na obra de Ruth Glass, em referência às mudanças ocorridas na cidade de Londres, especialmente nas regiões habitadas pela classe operária, como Islington. A palavra gentrification, incorporada em nosso vocabulário como gentrificação, surge de uma observação feita por Glass do processo de renovação de certas áreas da capital britânica na década de 60 do século XX, com a substituição de moradores mais pobres por outros integrantes de classes mais altas.”3
“Mais que um conceito, a palavra ‘gentrificação’ expressa um processo social, econômico e espacial que vai muito além da saída de moradores ocasionada pelas forças do capital, ou ainda da reforma de espaços físicos na cidade. De fato, trata-se de processo socioespacial e econômico, traduzido em conceito, que vem sendo discutido no âmbito internacional há mais de 50 anos e que acumulou neste tempo um grande plexo de significados, aplicações, além de uma indiscutível complexidade teórica e empírica. Nestes mais de 50 anos, assistiu-se à globalização dos processos de gentrificação, que passou a ser reconhecido em cidades de diversos continentes, com as mais diversas estruturas econômicas e sociais. Esta globalização do fenômeno promoveu a ampliação do conceito, visto que os processos de gentrificação são altamente sensíveis às condições específicas de cada área por eles afetada.”4
“‘A gentrificação é o mal urbano da nossa era. É a questão mais premente hoje quando falamos em habitação e urbanismo’, diz o urbanista Alan Ehrenhalt, autor de The Great Inversion and the Future of the American City (A grande inversão e o futuro da cidade americana), lançado no início do ano. Ehrenhalt estuda como as cidades vivem esse fenômeno urbano cada vez mais forte. Em inglês arcaico, ‘gentry’ significa ‘de origem nobre’. Isso já dá uma ideia do que gentrificação expressa. Ela acontece quando um bairro ou uma região tem sua dinâmica alterada pela chegada de novos comércios ou empreendimentos imobiliários que trazem consigo a valorização do local e afetam a população que vive ali, que precisa de mais dinheiro para continuar morando onde sempre morou, o que nem sempre é possível.”5
“Muitas vezes o processo é confundido com uma revitalização urbana, principalmente quando acontece de forma velada, gradativa. ‘A gentrificação sempre fez parte do processo da expansão das grandes cidades. Ela ocorre pelo interesse do setor privado, com a contribuição dos governos por meio de legislações de uso e ocupação do solo e o plano diretor dos municípios’, explica Luiz Kohara, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). Assim, empreendimentos ressaltam melhorias de acesso e segurança, e shopping centers prometem gerar mais empregos na região. Tudo em nome de um bem para a população. ‘Mas quase sempre com medidas de curto prazo e sem preocupação com os efeitos coletivos, sistêmicos, de cada obra’, diz.
Há, nesses casos, mais protagonismo da iniciativa privada que do poder público, e o que prevalece não é o interesse da população. ‘No Brasil, o modelo de desenvolvimento urbano pressupõe uma gentrificação muito mais brutal’, afirma Leonardo Cisneiros, um dos líderes do grupo Direitos Urbanos, do Recife, que se propõe a discutir os problemas da cidade. ‘São megaprojetos de luxo, completas negações da cidade existente e tradicional, que adotam o modelo de condomínios fechados, totalmente excludentes.’”6
ALCÂNTARA, Maurício Fernandes de. 2018. Gentrificação. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia. Disponível em: http://ea.fflch.usp.br/conceito/gentrificação. Acesso em: 11 abr. 2021.
BRAGA, Emanuel Oliveira. Gentrificação. In: GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Org.). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2016. (verbete). ISBN 978-85-7334-299-4.
GENTRIFICATION. In: COLLINS ENGLISH DICTIONARY. Disponível em: https://www.collinsdictionary.com/dictionary/english/gentrification. Acesso em: 25 abr. 2021.
GENTRIFICATION. In: MERRIAM-WEBSTER.COM DICTIONARY. Merriam-Webster. Disponível em: https://www.merriam-webster.com/dictionary/gentrification. Acesso em: 25 abr. 2021.
GENTRIFICAZIONE. In: ISTITUTO TRECCANI. Vocabolario Treccani. Disponível em: https://www.treccani.it/vocabolario/gentrificazione_(Neologismi). Acesso em: 25 abr. 2021.
1 BRAGA, Emanuel Oliveira. Gentrificação. In: GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Org.). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2016. (verbete). ISBN 978-85-7334-299-4.
2 Idem, ibidem.
3 RIBEIRO, Tarcyla Fidalgo. Gentrificação: aspectos conceituais e práticos de sua verificação no Brasil. Revista de Direito da Cidade, vol. 10, nº 3. ISSN 2317-7721 pp. 1334-1356. DOI: 10.12957/rdc.2018.31328.
4 Idem, ibidem.
5 TONON, Rafael. Como a especulação imobiliária altera a cidade. Revista Galileu. Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,ERT343342-17773,00.html. Acesso em: 25 abr. 2021.
6 Idem, ibidem.