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Mito e evidência

 

Para muitas pessoas, e sobretudo para aquelas pessoas que estão doentes, o corpo humano é como a caixa de Pandora aquela que, segundo a lenda, continha todos os males do mundo. A alusão à mitologia grega, aliás, é mais que apropriada. O mito é uma narrativa fantasiosa que, no entanto, cumpre uma função: serve para proporcionar uma explicação para coisas que nos parecem obscuras, deste modo acalmando nossa ansiedade. Ora, doença é uma dessas coisas. A gente sabe que alguma coisa funciona mal em nosso organismo, mas que coisa é essa? Será grave ou banal? Como fazer para resolver o problema?


Esta é uma questão que a medicina enfrenta desde que surgiu, desde que algumas pessoas se dispuseram a cuidar de seus semelhantes enfermos. E, desde que surgiu, a medicina precisou de explicações, com o que acabou criando seus próprios mitos. Por exemplo: o antigo mito do miasma. O que era o miasma? Tratava-se de uma emanação de regiões insalubres, como os pântanos, capazes de causar doença, entre elas uma muito frequente, inclusive na Europa: a malária, cujo nome, “maus ares”, alude a esta concepção. Para combater os miasmas, os médicos recomendavam acender fogueiras, usar substâncias odoríferas, e, mais tarde (a idéia do miasma chegou até o século dezenove, como mostra García Márquez em “O amor nos tempos do cólera”) com tiros de canhão. Agora: notem que esta teoria tem certo fundamento. As regiões pantanosas são também criadouros dos mosquitos transmissores do germe causador da malária. Ou seja: os doutores de antigamente atiravam no que viam e acertavam o que não viam.


Nem todos os mitos tem essa lógica. Aqui no RS dizia-se que urinar contra o vento causava gonorreia, mas esta era uma explicação mais destinada a absolver as culpas do sexo transgressor do que qualquer outra coisa. Contudo, mitos abundam, abrangendo inclusive tratamentos mágicos ou fantásticos. Como é que a gente sabe o que funciona e o que não funciona, o que é real e o que é mito? A medicina atual tem uma palavra para isso: evidência.


Valem as práticas calçadas em evidência científica, isto é, em trabalhos científicos que provam, com números, sua validade. Não acreditem em milagres, não acreditem em mitos. Acreditem em evidências, e na dúvida, informem-se. É a única maneira de se livrar do temor da caixa de Pandora.


Zero Hora (RS), 15/8/2009