"Pandemia e paranoia estão frequentemente associados. Nas circunstâncias atuais, um mínimo de bom senso é muito necessário"
É um fato que, ao longo dos séculos, tem sido repetidamente comprovado: nas epidemias ocorre não apenas a disseminação de um agente infeccioso, mas também a disseminação de boatos, de crendices, de mitos, que podem às vezes ter resultados trágicos. Foi o que aconteceu quando da epidemia de peste bubônica que devastou a Europa em 1348 e que matou, segundo estimativas, cerca de um quarto da população europeia. A causa da peste bubônica era desconhecida, bem como o mecanismo de transmissão. O resultado foi uma reação absolutamente paranoica: os judeus foram acusados de, através do envenenamento dos poços, terem causado a peste e por causa disso muitos deles foram queimados vivos.
Que a gripe também gera seus mitos mostra-o, em primeiro lugar, o nome pelo qual a doença até hoje é conhecida na Europa e nos Estados Unidos: influenza. O termo italiano remete à concepção vigente durante muito tempo, segundo a qual a gripe, como outras enfermidades, resultaria da influência dos astros. A demonstração de que a doença é causada por um vírus acabou com este mito, mas não impediu o surgimento de outros mitos - e de outras práticas. Uma delas: a "flu party". O que é isso? Se uma criança está com gripe, pais levarão seus filhos à casa desta, exatamente para que contraiam a doença. A lógica é a seguinte: a gripe atual é relativamente benigna e, na ausência de vacina, é uma forma de conferir imunidade às crianças. Um raciocínio semelhante ao que motivava as "rubella parties", as festas da rubéola, que se tornaram comuns quando os graves efeitos do vírus sobre os fetos foram demonstrados. Os pais queriam que as filhas tivessem rubéola antes de casar e de engravidar. A vacina tornou essa medida desnecessária, mas ela continuou sendo usada, porque muitas pessoas tinham desconfiança em relação à vacina contra a rubéola, e contra vacinas em geral.
Notícias sobre "flu parties" apareceram na mídia em vários países, na Inglaterra, no Canadá, nos Estados Unidos. Mas muita gente se perguntou: será que essas festas realmente existem, ou será que são produto da imaginação? A pergunta ainda não foi adequadamente respondida.
Falando em vacina, esta também já está sendo objeto de boatos. Um deles, verdadeiramente surrealista, diz que o vírus da gripe suína foi "plantado" por laboratórios farmacêuticos, que assim pretendem faturar tanto com os medicamentos antivirais como com a vacina que já está sendo preparada. Uma ideia semelhante àquela que, numa ocasião, se espalhou acerca do HIV, criado dentro de um projeto genocida e racista. No caso da gripe não se chega a tanto, mas mesmo assim muitas pessoas fazem restrições a uma possível vacina. Assim, a Dra. Patricia A.Doyle, da Universidade de West Indies, diz que "a vacina não impede que a pessoa tenha gripe... Pessoalmente, acho que a vacina enfraquece nosso sistema imunológico e também nos adoece, por causa dos contaminantes." Não está claro o que quer dizer esse "contaminantes", mas outras pessoas mencionam os coadjuvantes usados na preparação do imunizante. Circula na internet uma catilinária a respeito, atribuída ao jornalista Alex Jones, que tem um programa de rádio muito popular nos Estados Unidos.
Mas estas são opiniões que ainda obedecem a uma certa racionalidade. Um outro boato sustenta que a vacina na verdade é um instrumento de controle populacional, e que anticoncepcionais seriam adicionados ao imunizante. Outro boato, ainda mais maluco: as vacinas seriam veículo para microscópicos chips RFID (Radio-Frequency Identification), um dispositivo que responde aos sinais de rádio enviados por uma base transmissora: uma forma, portanto, de controlar as pessoas.
Pandemia e paranoia estão, como vemos, frequentemente associados. Nas circunstâncias atuais, um mínimo de bom senso é muito necessário.
Correio Braziliense, 28/7/2009