A influência da França na cultura brasileira, notada desde os tempos coloniais, exerceu-se de forma mais aguda após a queda de Napoleão em 1815. No correr do decênio seguinte, partidários do imperador derrotado, perseguidos na restauração dos Bourbon, vieram para o Rio de Janeiro, atraídos por um regime monárquico, mas liberal e constitucional, na promessa do jovem imperador Pedro I.
Muitos artistas, artesãos, professores, músicos, costureiras, padeiros, tipógrafos, livreiros e burocratas, um sem número de pessoas hábeis e cultas, atravessaram o Atlântico e se instalaram no Rio de Janeiro onde uma corte luso tropical dava os primeiros passos na direção de urbe civilizada.
Estes emigrados, entre os quais as notáveis figuras da pintura do período napoleônico, moldaram o gosto pelas artes e incentivaram o hábito da leitura de escritores franceses, já conhecidos por intelectuais brasileiros residentes em Paris, a exemplo dos estudiosos das ideias de Benjamin Constant que tanto influenciaram a Cosntituição malograda de 1823 e a outorgada 1824, e dos autores iluministas, base do pensamento libertário brasileiro no século 19.
Ao mesmo tempo, os jornais encontraram no romance folhetim, novidade da imprensa francesa, uma forma de atrair e conservar leitores e assim aumentar suas vendas. O público entrou em contato com as novelas de Alexandre Dumas, as peripércias de um Rocambole de Ponson du Terrail e dos romances sociais de Victor Hugo, entre mais de uma centena de autores franceses. A vitória da política inglesa nas manobras militares, diplomáticas e comerciais a partir do desembarque da Família Real Portuguesa até a Independência, não impediu a presença dominante da França em todas as áreas da elite cultural brasileira com reflexos at na moda e na culinária no Imperio recém fundado.
Tal influência estende-se até o fim do século, e adiante, e pode ser notada de forma inequívoca na inspiração de um grupo de escritores, liderados por Lúcio de Mendonça, ao fundar a Academia Brasileira de Letras nos moldes da Academie Française, instituída pelo Cardeal Richelieu, em 1635.
Mas no aspecto patrimonial as duas Academias discrepavam; a nossa, sem apoio oficial, era pobre e durante sete anos não teve pouso certo. Machado de Assis, primeiro presidente e consolidador da instituição, só observa espaço digno para a ABL quando o prédio mais tarde conhecido como Silogeu Brasileiro foi construído pelo governo para abrigar atividades culturais, na Lapa.
Mais tarde, em 1923, Afrânio Peixoto, então presidente da Academia, obteve, do embaixador da França no Brasil, Alexandre Couty, a intercessão junto ao governo francês para a doação do pavilhão francês na Exposição Internacional Comemorativa do Centenário da Independência, realizada em 1922. Réplica idêntica do Petit Trianon, mandado construir pela rainha Maria Antonieta nos jardins do Palácio de Versalhes, o edifício foi entregue à Academia Brasileira de Letras, que o conservou e constitui hoje uma joia arquitetônica no Centro do Rio de Janeiro.
Quando se comemora o Ano da França no Brasil, o Petit Trianon passa por um processo de restauração ainda em curso, com o Salão Nobre já pronto, mas prossegue em outras áreas do palácio. Neste Salão Nobre, a Academia receberá na semana que se inicia amanhã, um grupo de intelectuais franceses para encontro em que se discutirá a história e o futuro das relações culturais entre o Brasil e a França.
Estarão entre nós, a convite da Academia Brasileira de Letras, Emmanuel Renault, Henri-Pierre Jeudy, Pierre Rivas, Henriette Walter, Jacqueline Penjon, Xavier North, Roger Chartier e Didier Lamaison.
Durante uma semana, portanto, a Academia devolve ao Petit Trianon à França na certeza de que, neste trabalho conjunto, lusofonia e francofonia se encontrarão no estudo do passado e nas perpectivas de meios para construir no seio da latinidade um presente melhor.
Jornal do Brasil, 19/7/2009