Nas nossas inúmeras reuniões no Instituto Metropolitano de Altos Estudos, em São Paulo, era comum ouvir do dr. José Aristodemo Pinotti, com um incrível bom senso, o conselho do médico experimentado:
- Devemos agir logo. Na vida, não se pode perder sequer um minuto.
O conselho valia para ele também. Como se adivinhasse que o destino lhe pregaria uma peça, roubando-o do convívio familiar e dos amigos antes do tempo. Para o ginecologista consagrado, que salvou tantas vidas, especialmente curando o traiçoeiro câncer de mama, seria impossível supor que, aos 74 anos de idade, vítima de um câncer no pulmão, teria fim a existência de tantas e tão expressivas realizações.
Pinotti foi um grande professor de ginecologia e obstetrícia, titular da USP, onde se formou, mas destacou-se também como administrador universitário e público. Reitor da Unicamp, secretário de Estado da Educação e da Saúde, secretário Municipal de Educação, titular da Secretaria da Mulher e da Secretaria de Ensino Superior, onde deixou os fundamentos da recém-criada Universidade Virtual de São Paulo (Univesp), Pinotti foi também um defensor intransigente dos direitos da mulher. Dirigiu com essa visão o Hospital Pérola Byngton, uma espécie de menina dos seus olhos. Atendia milhares de carentes.
Tive o privilégio de conhecê-lo de perto. Ao lado da sua mulher Sueli, num recente acontecimento social, conversamos longamente sobre o futuro. Ele acreditava que poderia superar o ataque da doença: "Quando você vier a São Paulo, me avise, pois quero gravar um programa de TV sobre as reformas da educação." Fiquei lhe devendo essa entrevista.
No plenário da Academia Brasileira de Letras, com muita emoção, falei da sua morte. Citei a admiração que tinha pelo seu caráter, a sensibilidade, o espírito solidário e a competência do amigo, que era membro da Academia Nacional de Medicina e um atuante deputado federal, eleito por mais de 100 mil votos. Alguém que não o tenha conhecido poderá indagar como conseguia fazer tudo isso ? e bem. Era o maior segredo desse homem múltiplo, ainda por cima um excelente chefe de família.
Lembro de um fato que me foi contado por uma amiga, assustada no Brasil com o diagnóstico de um oncologista sobre nódulos malignos num dos seios. Decidiu ouvir uma segunda opinião e partiu para os Estados Unidos. Depois de examinada por um especialista norte-americano, ouviu um conselho: "Volte para o Brasil e procure o professor José Aristodemo Pinotti. Sua técnica é uma das mais avançadas do mundo." Ela hoje está viva, trabalhando, e confessa que deve a vida ao estimado cirurgião.
São mais de 50 livros escritos por Pinotti. Na ABL, onde foi homenageado, os acadêmicos Marco Maciel e Moacyr Scliar falaram a seu respeito, enaltecendo particularmente os cuidados que tinha com a saúde brasileira: "Com a privatização, a partir dos anos 90, o quadro tornou-se confuso e precário. A saúde deve ser tratada como direito e não como mercadoria." Ele fará muita falta a nós todos, que reverenciamos a sua abençoada memória.
O Estado do Maranhão, 13/7/2009