Chama a atenção a semelhança entre essas duas palavras: têm o mesmo número de letras e das cinco letras, três são iguais e estão colocadas no mesmo lugar. Aquilo que se prestaria para uma especulação de tipo cabalístico é certamente o resultado de uma coincidência. Mas uma coincidência que permite estabelecer uma série de comparações entre duas situações que nos são conhecidas, uma ocorrendo na esfera da economia, outra na esfera da biologia. Isto é possível porque economia resulta, ao fim e ao cabo, de fenômenos biológicos, a começar pela necessidade de sobrevivência: precisamos comer, e esse é o ponto de partida para o processo econômico.
A inversa também é verdadeira. O sistema econômico e o sistema social, que dele deriva, influenciam a saúde das pessoas. Mostra-o um exemplo clássico: a epidemia de Peste Negra que teve início em 1348 e que matou, segundo estimativas, um quarto da população europeia. A peste bubônica era endêmica no Oriente. Ora, o final do medievo e o começo da modernidade foram marcados por uma intensificação do comércio entre Ocidente e Oriente. Os navios que chegavam aos portos europeus traziam têxteis e especiarias, mas traziam também ratos infestados de pulgas. Como os tripulantes e passageiros, os ratos desembarcavam e, com eles, desembarcava a doença, que se tornou assim um fenômeno globalizado.
A disseminação de muitos surtos de gripe seguiu exatamente o mesmo trajeto. Um exemplo é a gripe asiática, que se originou na China em 1956 e durou até 1958. O vírus que causa a gripe em geral tem origem em aves ou em suínos, e de novo isso mostra a influência da economia; no Oriente são comuns pequenos criadouros familiares, em que pessoas e animais estão muito próximos, o que facilitava a disseminação de vírus. Já o incremento do transporte aéreo facilita a disseminação de vírus pelo mundo.
Se a economia influi na gênese e disseminação das doenças, o contrário também acontece, como se constata no caso da Peste Negra. A economia feudal, agrária, dependia da mão de obra camponesa. por causa dos óbitos causados pela peste, a mão de obra se tornou escassa, e isso diminuiu o poder dos senhores feudais sobre os servos. Agora os camponeses podiam deixar as propriedades em que trabalhavam e ir em busca de outras; ou podiam mudar para as cidades. Já não eram mais pagos com uma percentagem do fruto do próprio trabalho; tinham como negociar remuneração. Os proprietários rurais reagiram e, na Inglaterra, conseguiram do Parlamento leis que limitavam esse poder de barganha. O resultado foi a revolta camponesa de 1381, à qual se seguiu a "Jacquerie" (1358), na França, e a rebelião (1378) em Florença. Outras mudanças ocorreram. Dizimadas pela peste, as cidades-estados italianas perderam muito de sua influência: Inglaterra, Holanda, Espanha e Portugal agora dominavam o comércio marítimo. Os turcos otomanos, antes contidos pelos italianos, expandiram seu poder no Oriente Médio.
Voltamos ao presente: gripe e crise. Nos dois casos, vivemos ainda um momento de idenficação. Será que a crise não passará de uma banal gripe? Será que o surto de gripe se restringirá a uma momentânea crise de saúde? Perguntas que ainda aguardam resposta.
Correio Braziliense, 19/6/2009