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Uma lição de coragem

 

O jovem médico estava na sala de espera do bloco cirúrgico, aguardando o resultado da operação que ali se realizava. De repente, a porta se abriu e apareceu o cirurgião. Sua expressão antecipava más notícias, o que logo se confirmou com o soturno anúncio: estava tudo tomado pelo câncer, praticamente não havia mais nada a fazer. De pé, o doutorzinho sentiu-se tão mal, que desabou sobre uma cadeira. Não era de admirar. A paciente era sua mãe.


O jovem médico era eu. Naquele momento estava sentindo o que era receber a brutal notícia que algumas vezes tivera de dar a outros. E o resultado era um desespero avassalador.


Pensei nisto na semana passada, quando vi o vice-presidente José Alencar falando sobre o resultado do exame ao qual acabara de se submeter, para acompanhar o sarcoma que vem tratando há alguns anos. Não era um resultado bom: 18 novos nódulos do câncer haviam sido detectados no seu abdome. Há, neste número, que pelo jeito persegue Alencar (a primeira cirurgia foi a 18 de julho de 2006, a segunda, em janeiro deste ano, durou 18 horas), uma macabra coincidência: na Cabala, 18 é considerado o número da sorte, porque os algarismos correspondem às letras hebraicas da palavra vida. Mas, na entrevista, o vice-presidente mostrava-se tranquilo, confiante. É preciso lutar sem desespero, disse, acrescentando que nossa vida está nas mãos de Deus, o que, para ele (obviamente um crente) era a coisa mais importante.


Muitos perguntarão se a tranquilidade e a confiança demonstradas diante das câmeras correspondiam mesmo ao que José Alencar estava sentindo ou pensando, ou se aquilo não era uma encenação – generosa encenação: dando-se conta da importância que tem diante de milhões de brasileiros, o vice-presidente poderia estar ali demonstrando como se deve enfrentar esta amarga situação. Ou seja: de alguma forma estaria fazendo aquilo quem segundo o comum das pessoas os políticos fazem: desempenhava um papel. No caso, o papel do paciente corajoso, que todos (os médicos inclusive) admiram. Mas esta pergunta imediatamente suscita outra: e tem importância isto? Não é, de qualquer forma, um ato de coragem, de generosidade? Não é, exatamente, o que esperamos de um homem público?


O que me lembra um outro episódio, distante no espaço e no tempo. Numa época, os funcionários da embaixada chinesa em Londres saíam pela manhã do prédio, agrupavam-se na calçada, e liam em coro, para os que estivessem passando, trechos do lendário Livro Vermelho do camarada Mao Tsé-tung, a bíblia ideológica da China Comunista. Os ingleses achavam muita graça, e a cena era motivo de ridículo, mas um dia um veterano comuna explicou a um jornalista o que significava aquilo: os chineses, disse ele, estavam fazendo – para os ingleses – o papel de revolucionários convictos. E, ao desempenhar esse papel, convenciam a si próprios.


Existe aí, como existe no caso do admirável José Alencar, um tema para reflexão. Nós somos o que pensamos, nós somos o que sentimos, mas somos principalmente aquilo que fazemos, e aquilo que fazemos pode condicionar nossos pensamentos e nossos sentimentos. O que começa sendo um papel transforma-se em algo autêntico, na medida em que corresponde a uma verdade maior que nós próprios.


José Alencar deu coragem e esperança a muita gente. E, ao fazê-lo, independentemente dos motivos que o moveram, fez algo por si próprio. José Alencar ajudou os brasileiros. E ajudou também um grande brasileiro chamado José Alencar.


Zero Hora (RS), 19/5/2009