O que fará o "povo de Lula" diante do novo eleitoral, e a inviabilidade objetiva da continuação do Presidente? O sentimento espontâneo é o dessa dificuldade de transpor-se o apoio à figura do Chefe de Estado, na mecânica madura de uma vida partidária e a transferência para uma fidelidade às legendas do que fosse o aponte pessoal de um sucessor. Continua a impulsão originária deste eleitorado do Presidente, onde pesa a estrita identificação simbólica por sobre qualquer jogo de facções políticas.
Como resultado natural de eleições federativas, as legendas de oposição elegeram governos estaduais, mormente quando apresentaram uma plataforma coesa de mudança, ao lado dos sucessos pontuais de gestão. É o que demonstra o Estado de São Paulo, que detém quase 50% do produto brasileiro. É o que permite a candidatura Serra, susceptível de confrontar com êxito o presente status quo. Esta opção concentraria a do país desenvolvido, no contraponto mais nítido com o Brasil do "povo de Lula".
Significativamente, não se trata mais de uma oposição "establishmentária", a demonstrar o quanto atual sistema torna obsoleta as suas alternativas clássicas e, de vez, remove toda possibilidade de retorno aos reformismos tradicionais. Mas não basta também alentar-se a que - como salientou o próprio Presidente - as chances de um governo Serra não discrepariam, também, de um regime de esquerda, ainda que, por inteiro, entremeado às hesitações em que a social democracia esposou um programa de desenvolvimento, sem ainda pagar o preço de suas opções.
Dependeríamos novamente, mesmo dentro da premissa distributiva de renda de ambas as propostas eleitorais, de uma decisão sobre a presença essencial do Estado no processo de mudança, às margens das apostas na dinâmica natural de um advento da prosperidade neoliberal.
A plataforma pregressa do governo Fernando Henrique, antológica desta social-democracia, não deixou dúvida sobre o empenho de privatização limite do desenvolvimento brasileiro, assumindo pleno risco da sua sustentabilidade, e na aposta toda fiel à conjuntura de globalização emergente no regime pré-Lula.
A superação acelerada dessas premissas, à entrada da nova década, leva - como já manifestado agora em São Paulo - Serra à paráfrase objetiva dos rumos petistas, no recurso ao Estado e às políticas de acesso social. A irrevogabilidade da mudança mudou os campos de gravidade política de situação e oposição com êxito no Brasil de hoje.
Da lei de responsabilidade fiscal ao bolsa-família às novas políticas tributárias impõe-se o ganho da sustentabilidade sem volta do desenvolvimento. O tucanato escapa hoje à tentação de contrapor São Paulo ao resto do país, ou imaginar que o modelo da nossa área mais desenvolvida viesse a se chocar com o brasil pobre.
O fato de Lula contar com maciças maiorias no Nordeste ou no Norte do país é só a projeção da nitidez maior da consciência das populações saídas do nada. Mas vai de par com a consciência de que escapamos de um futuro fatalmente concentrador, em termos geográficos, na sua riqueza. A marca objetiva do salto de Lula aí está. Não há alternativa conservadora, mas opções na aceleração de mudança, e sem volta.
Jornal do Commercio (RJ), 15/5/2009