Vivemos num país cartorial, onde tudo termina não em palavras, como na citação clássica de Shakespeare (“words, words, words”), mas em papéis, papéis, papéis. Por mais que apareçam documentos com firma reconhecida, cheques, talões de depósito bancário, bilhetes de passagens aéreas, vídeos, fotos e áudios; por mais que as CPIs, a PF e os jornalistas investigativos obtenham depoimentos assombrosos e testemunhos indestrutíveis, nada acontecerá no país além do muito e bastante que já está acontecendo.
Dentro de nossas tradições domésticas, para chegarmos a um ponto de fusão político, fica faltando um cadáver. Não quero ser macabro, mas histórico – o que talvez dê na mesma. Nas sucessivas crises que provocaram a queda do Império, houve o cadáver de Apulcro de Castro – nome esquecido de um panfletário assassinado nas ruas do Rio de Janeiro. Foi a insignificante gota d’água que terminaria com a deposição do imperador, o rato provocando a agonia da montanha.
Em 1930, houve o cadáver marginal de João Pessoa, cometido em Recife por motivos pessoais de políticos paraibanos. O crime nada tinha a ver com a crise da velha República, mesmo assim deu o gás que faltava para o início da Era Vargas, era que terminaria dramaticamente, em 1954, não com um, mas com dois cadáveres: o do major Ruben Vaz, em 5 de agosto, e o do próprio Vargas, no dia 24 do mesmo mês e ano.
Como disse, o assunto é macabro, mas histórico. Não pretendo insinuar nenhuma solução radical para os problemas atuais, que são muitos, mas até agora – e felizmente – não há anúncio de nenhuma tragédia no horizonte da pátria. A menos que o nosso bom e querido Gabeira, numa desnecessária crise de consciência, busque uma punição que não merece.
Folha de S. Paulo (RJ), 28/4/2009