Seria uma incoerência do Ministro Fernando Haddad se ele quisesse reformar o ensino médio, de tantos furos, e deixar intacto o vestibular, de tantas queixas de professores e alunos. Sou do tempo em que, para entrar na Faculdade, era preciso também fazer prova oral, com o ponto sorteado na hora, diante de uma banca em geral carrancuda. A massificação acabou com isso e trouxe à tona duas pragas: a prática da “decoreba” e os testes de múltipla escolha, estes depois atenuados quando se passou a exigir também uma prova de redação dos candidatos.
Gostaria de lembrar uma experiência vivida em 1983, primeiro ano de existência da TV Manchete. Em dezembro, corajosamente, a sua direção topou fazer a estreia em matéria de programas ao vivo. De meio-dia às 17 horas, no próprio dia do então vestibular unificado, organizado pela Fundação Cesgranrio, ao vivo, uma equipe de 25 especialistas foi por mim mobilizada para dar as respostas das questões formuladas, para que os candidatos, em casa, pudessem checar os seus erros ou acertos.
O programa, patrocinado pela Petrobrás, era tão bem formulado que registrou uma enorme audiência: cerca de 500 mil telespectadores, em média, quando o número de vestibulandos não passava de 120 mil. Isso contrariou a opinião de muitos sábios que proclamavam ser um erro utilizar a TV aberta para fins didáticos. Até hoje, não se encontrou uma explicação plausível para esse fenômeno, que revelou acima de tudo o interesse do povo pelo conhecimento. Pura e simplesmente.
Agora, o Ministro Haddad, que é sobretudo corajoso, deseja mudar o envelhecido sistema de ingresso nas 55 universidade públicas. Isso trará efeitos sobre as universidades particulares, que, com honrosas exceções, fazem do exame de habilitação aos cursos superiores uma porta arrombada em que o mais difícil (quase impossível) mesmo é a reprovação. Há casos de “provas” que são feitas na hora em que o jovem procura a instituição. Faz-se um arremedo de redação e o candidato é aprovado. Pode se matricular no curso desejado, desde que pague a taxa cobrada (nunca é inferior em média a 300 reais). Uma fraude praticamente oficializada.
O elogiado Enem, que contou com a adesão, no ano passado, de 3 milhões de participantes, em nível nacional, busca a avaliação de competências e habilidades dos que concluíram o ensino médio. Tem indiscutível influência sobre a qualidade dessa etapa intermediária, pois induz as escolas ao aperfeiçoamento sempre desejado. A proposta do MEC é avaliar a capacidade de raciocínio, de interpretação de textos e de resolução de problemas, segundo inspiração do conhecido modelo SAT norteamericano de acesso às universidades (as mais famosas combinam esses resultados com observações feitas junto às tradicionais high-schools, como conheci na região de New England).
Deseja-se agora, em nosso país, uma prova de dois dias, com 200 questões de múltipla escolha de conhecimentos variados e a manutenção da redação, sempre reveladora. É uma grande ideia, oportuna, que deverá ser acolhida pelas universidades, a partir das públicas, com todo respeito à sua sagrada autonomia. O que se espera é que assim se valorize o ensino médio de três anos, e não mais os cursinhos provedores de macetes.
Folha Dirigida, 21/4/2009