Acordei com um barulho danado em cima de mim. Custei a entender o que era. Aos poucos identifiquei o ruído típico das pás de um helicóptero, que antigamente se chamava “autogiro”, nome mais fácil de entender e menos complicado. Não seria a primeira vez. Voava baixo, na certa estaria procurando traficantes na ladeira dos Tabajaras ou no morro dos Cabritos, onde estão nascendo duas favelas.
Fui à varanda ver a operação. Leio nos jornais que não há traficantes, o que existe são supostos traficantes que, supostamente perseguidos, atiram contra os helicópteros com supostas armas de suposto uso exclusivo das Forças Armadas.
Nada disso. O aparelho descia quase no nível das águas da Lagoa e delas retirava um corpo, a distância parecia corpo de homem, mas não tenho certeza. A operação não foi fácil. Pensei que fosse acidente, muito carro cai nas mesmas águas, sobretudo ali, na Curva do Calombo, que já foi bem pior. Era raro o dia em que não havia desastre naquele pedaço.
A empregada veio lá de trás e me avisou que o rádio já estava dando a notícia: tratava-se de um suicida. Anônimo ainda, não deixara bilhete explicando aquilo que os jornais antigamente chamavam de “tresloucado gesto”.
Estava agora pendurado no espaço, pingando água. Um embaraço qualquer no cabo que o suspendia impedia que ele fosse recolhido a bordo do helicóptero. Após algumas tentativas, a turma do regaste desanimou e decidiu levá-lo assim mesmo, suspenso no ar, pingando a água que o sufocara.
Lembrei a cena inicial de um filme, aparelho igual levando pelos céus de Roma uma estátua de Jesus abençoando a cidade que Fellini escolheu para retratar a doce vida. O suicida não teria motivos para abençoar a cidade que o matou.
Folha de S. Paulo (RJ), 21/4/2009