Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Direitos humanos, ideologia ocidental

Direitos humanos, ideologia ocidental

 

Vem de se realizar em Oslo (Noruega) conferência sobre o conflito das culturas e dos direitos humanos, em iniciativa conjunta da Academia da Latinidade com as Nações Unidas.


Na sua abertura, o ex-presidente de Portugal Jorge Sampaio salientou como o estatuto fundamental da pessoa ainda não se transformou, em nossos dias, no primeiro universal de entendimento entre as civilizações do nosso tempo. Permanece o trauma entre a visão "imperialista" da razão, a se impor a todo o mundo sob o álibi do progresso, e a visão da sharia islâmica, que devolve à dimensão teológica a última exigência da defesa da pessoa a qualquer tempo.


A Prêmio Nobel da Paz Shirin Ebadi, do Irã, vem de salientar no mundo islâmico essa percepção dos direitos humanos como uma perseverante ideologia do Ocidente.


Numa primeira trégua, talvez, à era Obama, Zawahiri, voz da Al Qaeda, confirma o paradoxo da impossível coexistência desses mundos, na perspectiva do novo terrorismo. Por que Obama não se converte à religião do pai e inicia, pelo seu exemplo, uma islamização americana?


A conferência de Oslo avançou na agenda crítica desses novos direitos do nosso tempo e seus percalços.

 

Até onde se mantém o direito à imagem na civilização mediática, que inibe a prerrogativa de resposta do cidadão atingido e, sobretudo, instala o reino dos simulacros como a percepção da realidade em nosso tempo?


E em que fica a garantia da privacidade diante de experiências como a islandesa, que hoje assegurou o conhecimento do DNA de todos os seus habitantes e abre o caminho para um voyeurismo celular -se não, amanhã, da inscrição desses dados da pessoa nas suas certidões de idade?


O que ainda mantemos da nossa primeira intimidade, diante do universo dos grampos e dos controles de todas as conversações, num devassamento extremo das informações domésticas e cotidianas?

 

Impactou a conferência, por outro lado, a decisão de Obama de superar a visão bushista do conflito entre segurança e valores da pessoa em nosso tempo. Progredimos no conceito do espaço cidadão diante do velho espaço público, com a efetiva responsabilização do Estado pela violação dessa tensíssima fronteira.


Perdura a dificuldade quanto à generalização do respeito aos direitos humanos associados -repetiu o encontro de Oslo- aos emperros da democracia, assim como à demora da laicização do Estado.

 

Abriu o seminário, ao lado de Kjell Bondevik, ex-primeiro-ministro da Noruega, o ministro da Justiça do Brasil, Tarso Genro, a ressaltar o progresso de nosso Estado de Direito na reiteração, pelo presidente Lula, da absoluta manutenção de suas regras do jogo.


No pano de fundo da conferência, ficou essa torna dos Estados Unidos a uma ordem jurídica internacional, ameaçada por uma "guerra de religiões" e uma insensibilidade ao que seja o verdadeiro direito à diferença cultural. Esta, que nos levou ao espectro do terrorismo específico de nosso tempo, quando se vê nos derrubadores do World Trade Center, como quer a Al Qaeda, os mártires do protesto contra a sistemática descaracterização da identidade dos povos submetidos ao "imperialismo da razão".

 

Especialistas islâmicos presentes mostraram como o perigo de alastramento terrorista não depende da Al Qaeda, mas de um sentimento de forra, ou vendeta, brotada de um inconsciente coletivo.


Os últimos homens-bomba não são desequilibrados mentais nem sectários de um só grupo. Respondem, difusamente, a um sentimento de humilhação, como ressaltou em Oslo o ex-primeiro-ministro Bondevik. Em outras palavras, deparamos, no nível atual do choque das culturas, uma exasperação ao irracional do descarte das diferenças, visto hoje como, inclusive, uma plataforma prioritária da reivindicação dos direitos humanos.

 

A saída, pelo Ocidente, da "civilização do medo" não passa pelas guerras preemptivas, mas pela aceitação de uma mesma disciplina dos crimes contra a humanidade, submetíveis à Corte de Haia -ao contrário do que fez até hoje a Casa Branca-, a começar pela intolerabilidade, "urbi et orbi", à tortura.


Presentes em Oslo, muitas tendências do pensamento islâmico contemporâneo reconhecem a surpresa da volta dos Estados Unidos a um vis-à-vis internacional. Mas sabem, todos, da urgência dessa nova e efetiva entrada em cena do governo Obama. Guantánamo fica como a sua pedra de toque, mais que a imediata retirada das tropas missionárias de Bush no Iraque.


Folha de São Paulo, 1/4/2009