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A guerra de palavras

 

A guerra de palavras Arnaldo Niskier Os meios intelectuais, no Brasil, aceitaram a reforma ortográfica. Em Portugal há uma grande reação. Um abaixoassinado de 100 mil pessoas pede a revisão do assunto. Alguns escritores chamam a decisão de "bizarrice" e acusam o texto do Acordo de "inúmeras contradições e até mesmo equívocos."


Se o português for unificado, como acontece com o francês e o inglês, certamente ganhará pontos a tese da sua presença como língua oficial nos organismos da ONU, o que hoje é impossível, dadas as diferenças de grafia nas oito nações lusófonas. Temos um grande peso específico na matéria, pois somos 190 milhões de falantes, quase 20 vezes a soma de todos os demais países da Comunidade de Língua Portuguesa.


O nosso Ministério da Educação avaliará os livros didáticos, no próximo ano, de acordo com a "nova ortografia". Seriam comprados para distribuição gratuita em 2011. A Academia Brasileira de Letras lançou o seu primeiro Dicionário Escolar, com 30 mil verbetes. Está naquela situação bem retratada pela "cantora" Maria Joaquina Dobradiça da Porta Baixa, na música interpretada pelo humorista Castro Barbosa, na famosa PRK-30 (Rádio Nacional): "Ah, eu tenho dois amores, um aqui outro acolá. O de cá pede que eu fique; o de lá pede que eu vá. Não sei se vou ou se fico..." A Casa de Machado de Assis lançou agora a nova versão do Vocabulário Ortográfico, com todos os seus mais de 360 mil verbetes .


Temos a solidariedade completa de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. O que dói um pouco é a posição de alguns escritores de Lisboa. Escrevem contra o Acordo e contra o Brasil, acusando-nos de tentativa de neocolonialismo. Seguramente, esse não é o melhor caminho para que venha o entendimento desejado.


Em meio a essa tormenta transatlântica, há muita troca de informações e até visitas por parte da Academia Brasileira de Letras e da Academia das Ciências de Lisboa. Os de lá veem, os de cá vão, como tem ocorrido com os imortais Evanildo Bechara, Moacyr Scliar, Domício Proença, Antonio Carlos Secchin e Ivan Junqueira. Sem qualquer pretensão de arrogância ou predomínio, pois isso é coisa do passado.


O escritor português Vasco Graça Moura condena o acordo, considerando que para nós é mais fácil a sua implementação e o filólogo João Malaca Casteleiro, que foi companheiro de Antonio Houaiss nas discussões iniciais do projeto de unificação, "o ideal teria sido que todos os países lusófonos implantassem as mudanças simultaneamente, o que infelizmente não está acontecendo."


Os meios culturais de Portugal estimulam uma "guerra de palavras". A explicação é até curiosa: nosso público, dizem eles, não aceitaria de bom grado se aparecesse a palavra exceção sem o p ou espetacular sem o c. "Isso retira qualidade estética às palavras", afirmou um especialista.


Há um fato positivo, nisso tudo: intelectuais como a acadêmico António Valdemar, que é presidente da Academia Nacional de Belas Artes de Lisboa,são favoráveis à imediata implantação do Acordo Ortográfico. Segundo ele, que também é da Academia das Ciências, "quanto mais rápido isso acontecer, melhor será para o destino comum dos povos que têm o privilégio de utilizar a mesma língua de Camões, Fernando Pessoa e Euclides da Cunha".


A Gazeta (ES) 13/3/2009