Ela está reluzente. Nem parece ter idade avançada. Em meio a um grande alvoroço, idosos, jovens e crianças ocupam os seus lugares, para uma viagem à história de Minas Gerais. Refiro-me à popular Maria Fumaça, locomotiva que puxa meia dúzia de vagões, durante uma hora, no trajeto Tiradentes – São João del Rei. Uma alegria só, misturada a pitadas de nostalgia, sentimento natural dos mais velhos.
Hospedado na Quinta das Pitangueiras, refúgio onde o pintor Mário Mendonça produz obras imortais, muitas das quais expostas à visitação pública, especialmente de estudantes, pude apreciar o respeito que se tem, na região de tantas recordações, pela memória nacional. Aqui é o Rio das Mortes, em cujas cercanias nasceu Joaquim José da Silva Xavier, um dos nossos maiores heróis. Naquele sobrado, que era a casa do Padre Toledo, os inconfidentes fizeram diversas reuniões. Aquela é a espetacular Matriz de Santo Antônio, com obras de Aleijadinho, Ataíde e Manuel Victor de Jesus. Perto é possível alcançar as capelas de São Francisco de Paula, Santo Antônio do Canjica e do Bom Jesus da Pobreza, além do Santuário da Santíssima Trindade. Na antiga cadeia pública, ergue-se o Museu de Arte Sacra, com obras inspiradíssimas de Mário Mendonça e artistas mineiros.
As ruas são de pedra e é preciso andar com cuidado, para evitar entorses. O que não se pôde ainda evitar é o tráfego de pesados caminhões, no miolo da cidade, trazendo inevitáveis prejuízos. Cadê a prefeitura, que não toma uma providência? Tiradentes, antiga São José del Rei, nasceu com o nome original nos primeiros anos do século do ouro (1718). Em suas construções pode-se apreciar obras-primas do barroco em arquitetura, pintura e talha. Ainda há vestígios, na progressão para o interior, da presença dos índios Maxacalis. A característica interétnica é uma riqueza antropológica, assinalando-se a miscigenação de negros, índios e brancos, especialmente no período áureo da extração: 1725 – 1750, quando chegou a ter 6 mil escravos. O espírito mineiro é sintetizado nessa frase de Otto Lara Rezende: Essa gente desenvolveu um pólo central religioso, com se no super-céu e não no sub-solo estivessem as mais profundas existências da sua razão de ser e de viver.
É desse mesmo barro que se fez o ex-presidente Tancredo de Almeida Neves, nascido em São João del Rei, distante 15 minutos de Tiradentes. O túmulo, de mármore preto, o mesmo de sua querida Risoleta Tolentino Neves, está na Igreja de Santo Antônio, num lugar que inspira muita paz. O sol, antes preguiçoso, apareceu na nossa visita, fazendo companhia nas orações em respeito à memória desse inesquecível brasileiro. Ao lado da inscrição 1910 – 1985, a frase que diz bem do patriotismo e da mineiridade do grande líder político, vitimado quando toda a nação tinha nele depositadas todas as esperanças de um grande governo: Terra minha amada, tu terás os meus ossos, o que será a última identificação do meu ser com este rincão abençoado. Tancredo deixou saudade. A nossa obrigação é não esquecer jamais o que ele representou em retidão e exemplo.
Jornal do Commercio (RJ) 12/12/2008