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Jackson, consciência católica e reação

 

Entre tantas efemérides, nestes dias, de celebração do pensamento brasileiro, de Machado a Guimarães Rosa, marcam-se também os oitenta anos do falecimento de Jackson de Figueiredo, arrebatado por uma onda na Joatinga, antes de sua quarentena. Deu-nos a retomada radical de uma visão do cristianismo na modernidade, no quadro do confronto de fundo, em que a crença saía da boa consciência da ordem e ao mesmo tempo do confronto da fé com a racionalidade progressista do começo do século.


Neste primeiro abalo da nossa acomodação católica de todo o sempre, arranca este sergipano, marcado por uma rebeldia congênita, exatamente no mesmo passo em que a sinceridade de um pensar lhe levaria do ateísmo dos primeiros anos a um ethos de adesão religiosa, a antecipar a visão dos engajamentos existenciais, do após guerra do meio século.


Toda uma tormenta de dúvidas se resolvia, finalmente, por esta fé de combate, à margem dos "cógitos" elegantes e da sacralização do cientificismo da época. O pensamento amarrava-se num itinerário lacerado, de dor e denúncia do indiferentismo à sua volta, e da quase violência que reclamaria uma restauração confessional.


É o caminho que Jackson nos traça, em "Pascal e a Inquietação Moderna", na "Reação do Bom Senso" ou na "Literatura Reacionária". A pregação vai ao nervo do cenário do Rio de Janeiro dos anos 20, nas madrugadas do Café Gaúcho, do sergipano vestido de negro, chapéu desabado e a bengala a que se refere Arthur Rios, seu genro. É como se uma emblemática acompanhasse o intelectual inquieto, que fazia do anti-respeito humano uma convicção contundente, trazida a uma coreografia de exprobrações, réplicas e abalos da mornidão da cabeça então imperante, por uma inquirição exigente do nosso caminho no século.


Reflexão. Jackson trazia à frente a reflexão de Farias Brito na virada do século, de defesa da vida do espírito, frente ao desinteresse com o absoluto e a transcendente da nossa ambiência livresca de então. A militância se desembaraça de toda tertúlia ou das convenções, a partir da dúvida elegante e prosélita em bem de um vitalismo, buscando a diatribe e o arrebatamento religioso, exigente numa proclamação de confronto e de um reacionarismo radical, no desenho da visão de mundo do catolicismo.

Desinteressado da decantação da cultura de uma época, em busca da afirmação do absoluto, da crença, sua invariança descartava todo bom tom ou a sofisticação que agregaria à fé de um intelectual no seio de seu tempo. Esta militância levou Jackson, de logo, a criar o Centro Dom Vital, como primeira expressão de um laicato confessional, de todo aparelhado e sabedor do seu anúncio, sem dúvidas ou resto. Era tarefa não de explicação da dúvida, mas de chamada à ordem das gerações, no Brasil às vésperas da revolução liberal e das quebras das tranqüilidades da religião estabelecida, de par com a república do café com leite.


O Centro passou, à morte de Jackson, à direção de Alceu, numa leitura dos recados da hora, de onde partiriam e já sobre o comando de D. Leme, no Rio de Janeiro, a interrogação do integralismo, o debate do neotomismo, o começo da Ação Católica e o assento no meio século das universidades católicas. No fruto histórico mais profundo de uma entrega radical, Jackson assumiu todas as farpas que, à época, faziam da toma da palavra um arranco fundador, diante das condições objetivas da contradição do status quo com o ethos cristão, e sua pergunta subversiva ao país instalado. Ficou-nos no pensador engolfado pelo oceano o lance da ruptura. A reação surgiu como o desassombro da entrega, no que viu como o assalto da modernidade à inteireza do convite à fé, a que se voltou este "cangaceiro que Deus acorrentou", com a faina do último heroísmo.


Jornal do Commercio (RJ) 05/12/2008

Jornal do Commercio (RJ), 05/12/2008