Acácio, o conselheiro, poderia dizer que o avião é necessário para se vencer longas distâncias. Incorporando o espírito de porco do personagem de Eça, eu diria que é perigoso também. Não pela hipótese de um acidente. Entendidos garantem que é o meio de transporte mais seguro do mundo.
O perigo é o sujeito que se senta ao lado. Contam por aí uma história envolvendo o finado cronista Antônio Maria e o cronista ainda sobrevivente que sou eu. Tudo se teria passado numa curta viagem entre Rio e São Paulo. No fundo, uma boa piada, digna do gordo autor de "Ninguém me quer".
Mas, na semana passada, enfrentei desafio pior. Depois de amarrado, o meu vizinho de banco cumprimentou-me efusivamente. Retribuí a amabilidade, agradecendo e procurando me acomodar para dormir durante a viagem. Não deu jeito. Ele estava entusiasmado com um livro que lera há tempo e que, segundo sua próprias palavras, mudara a sua vida, sua visão de mundo.
O livro era "Não Verás País Nenhum", do Ignácio de Loyola Brandão. Custei a perceber o equívoco e, quando percebi, quis explicar que não era o autor do excelente romance, um dos melhores de nossa literatura moderna.
O sujeito não parava de louvar e comentar o livro que julgava de minha autoria. Com tal entusiasmo que eu me limitei a concordar com o meu silêncio, que ele tomou por modéstia. Obrei bem permanecendo calado: além de imerecidos elogios, ouvi sugestões para uma dúzia de livros, que, infelizmente, não poderei escrever por falta de tempo e de talento.
Uma delas eu passo gostosamente ao Ignácio de Loyola: a do deputado gaúcho, mulherengo e viciado em corridas no Jóquei Clube, que atribuiu sua decadência pessoal, política e econômica às mulheres ariscas e aos cavalos lerdos.
Jornal do Commercio (RJ) 02/12/2008