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A contraditória democracia asiática

 

A crise pré-apocalíptica do sistema financeiro só tornou crucial a importância dos países emergentes na construção de um novo equilíbrio internacional, implicando à plena convivência com os dois colossos asiáticos, a China e a Índia. É o que exige, a prazo urgente, a reormulação do que sejam G-8s ou G-20s, na construção de um mundo que se deu conta do colapso final do capitalismo do após guerra e de Bretton Woods. Mas o que nesta ampla revisão de modelos globais importa é a revisão do contraponto político e econômico de um quadro de mudança, expresso pela esperada convergência entre desenvolvimento e democracia.


A opção chinesa pela urbanização maciça e pelo imediato acesso social deixou para segundo plano todo clamor de descentralização política e parece absorver a noção de melhoria coletiva por esta intensíssima mobilidade social. Domina-se a migração internae o avanço vertiginoso do anel das cidades, como um choque de oferta de serviços numa mplitude limite de especializações profissionais.


A democracia formal transformou-se, por outro lado, no apanágio da modernização hindu, aos olhos do Ocidente, na continuidade com que mantém o respeito à vontade geral, e ao processo legislativo desde os tempos históricos do partido do Congresso, de Nehru e Indira Gandhi. Numa aceleração da riqueza, com o risco da desigualdade social a Índia acolhe hoje ilhas de avanço tecnológico, de par com o clássico quadro da concentração econômica, típica da saída do subdesenvolvimento. O arrefecimento nacionalista dos partidos vem de parte com a fragilidade das novas alianças majoritárias, e com a condição de um regime coletivo que, ao contrário do chinês, mantém os seus estratos clássicos de distinção social e de permanência nada dissimulada das castas do bojo cultural do sistema. Toda a Ásia oriental acomodou-se ao descompasso entre a democracia e a mudança, mas é a Índia que mantém alerta o compromisso histórico, e o peso em que, afinal, uma procura da autodeterminação política não se exclua na ordem mundial, nas racionalizações políticas que sucederão aos G-20 e similares. É o gotesco, hoje, do Nepal que mais enfatiza o quanto o advento democrático não pode ser um anacronismo no quadro da ruptura de regimes de autoritarismos milenares consentidos, de que são relíquias hoje, quase irremovíveis os Estados do Himalaia, como mostra o impasse este ano do abate da monarquia nepal.


Foi a quase meio milênio a dinastia Mahendra com a remoção afinal, há um semestre, do soberano assassino, que continuou no poder após o morticínio em palácio de, praticamente, a totalidade dos mebros da família reinante. Permaneceu no trono, apesar da hecatombe e agoram removido, mantém-se em palácio menor, com todas as regalias de uma corte exilada no próprio território.


Ilustrando a mesma contradição na sua outra ponta a avalanche democrática permitiu-se o desvario de toda radicalidade, com divisões e subdivisões de partidos maoístas, e criando um regime literalmente ingovernável. Com 26 milhões de habitantes, o Nepal tem hoje um Congresso com 626 mebros, dos quais só 1/3 eleito pelo povo e os demais designados por um sistema de hegemonia de partidos, a se impor sobre toda idéia de vontade geral.


O excesso democrárico deixa o país no mesmo imobilismo, com a capital Katmandu sem iluminação pública, de educação superior toda objeto de missões internacionais, sem arruamento, e filas de jarras e cabaças para buscar nas fontes públicas a água caseira. Pior que a opressão instalada multi-secularmente, é a decepção radical com a revolução, entregue ao delírio da descompressão, sem qualquer consciência da mudança. Ou da entrega ao maoísmo de todo gênero, de que já se descartou a China, ao trocar todo anacronismo das forras históricas, pela busca, a seu tempo, do dissenso e da diferença política.


Jornal do Commercio (RJ) 14/11/2008

Jornal do Commercio (RJ), 14/11/2008