Machado de Assis foi a atração literária do ano. Sua vida e a vasta e musculosa obra serviram de pretexto para aulas, seminários, conferências e artigos. Como nunca houve antes neste país. A exposição na Academia Brasileira de Letras reuniu milhares de estudantes em visitas guiadas sem precedentes. É pertinente, por isso mesmo, um comentário sobre as ilações pedagógicas da obra do "bruxo do Cosme Velho". De propósito ou sem querer, a verdade é que a educação apareceu muito, até mesmo nas ironias do escritor carioca, que, se reportando a uma aula na escola pública que freqüentou, viajou com o pensamento nas asas de um papagaio de papel, enquanto a gramática era deixada em segundo plano. Nem por isso a sua escrita deixou de ser impecável, anos mais tarde.
Numa releitura dos seus romances, contos, poemas, crônicas e cartas, descobre-se que ele se esmerava em mostrar de que maneira cada um de nós pode chegar a se tornar um ser humano melhor. Não nos preocupamos exatamente com lições morais, mas com o que o espírito de Machado acolheu e que seria de interesse objetivo da educação do seu tempo. A presença do professor, a forma dos castigos, a valorização de línguas estrangeiras e o pouco prestígio dado à educação feminina são temas recorrentes em suas obras.
O mundo melancólico de Machado, com as suas voltas à infância sofrida, mescla-se com a nostalgia presente no "Conto de Escola": "Para cúmulo do desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que boiava no ar, uma coisa soberba. E eu na escola, sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e a gramática nos joelhos".
Em "Outros Contos", encontramos mais uma preciosidade ligada à idéia do magistério, no sentido que lhe quis dar Machado de Assis: "Meu propósito era ser mestre de meninos, ensinar alguma cousa pouca do que soubesse, dar a primeira forma ao espírito do cidadão... Calou-se o mestre alguns minutos, repetindo consigo essa última frase, que lhe pareceu engenhosa e galante... O mestre, enquanto virava a frase, respirando com estrépito, ia dando ao peito da camisa umas ondulações que, em falta de outra distração, recreavam interiormente os discípulos".
É um texto admirável, de que se podem tirar diversas inferências: a fina ironia com respeito à idéia abominável de delação; a existência somente de meninos na classe, revelando a discriminação então existente; a repetição exaustiva da palavra "mestre", com que Machado designava os professores; o retrato de corpo inteiro de uma classe típica, em que ocorrem fatos ainda hoje comuns no espírito da garotada. Isso tudo além do mestre, que, falando para si mesmo, revelava o inteiro teor do que então denominávamos "magister dixit".
A crítica de Machado à escola mostrava suas idéias: os alunos não eram interessados porque também os mestres não o eram. O professor da época não fazia o aluno raciocinar; antes, queria impressionar e impor-se pela dificuldade das palavras; discursava, emitindo conceitos fora do alcance dos alunos. Nos textos, aparecem os castigos físicos, como a palmatória, que em "Conto da Escola" é descrita como "cheia de olhos".
A cultura de Machado veio do seu autodidatismo, pois só fez os estudos primários. É verdade que era pobre e precisou trabalhar como tipógrafo. Mas teria ele continuado na escola se pudesse? Foram perguntas que me ficaram -e ficarão- sem resposta.
Não se deve esquecer nenhum desses pormenores se queremos uma educação renovada. Machado afirmava no conto "Verba Testamentária" que "esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa apagar o caso escrito. Obra de lápis e esponja". Quando escrevia isso, certamente, ele queria dizer exatamente o contrário.
A Gazeta (ES) 14/11/2008