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Obama condenado à grandeza

 

A vitória de Obama respondeu ao melhor da estupefação internacional. Não que ultrapassasse o esperado, mas exatamente por, ao permiti-lo, realizar-se a experiência inédita de oferecer uma alternativa à realidade de nosso tempo. Não há que buscar paralelos anteriores, na história do Ocidente, do sucesso da democracia como instituição, consagrando uma liderança nascida estritamente da observância das regras do jogo, e do que alcance uma consciência popular determinada. Mostrou o que pode a vontade política, como mudança de um processo social, seus preconceitos, seus medos, seus conformismos, sua esperta realpolitik.


Até a última hora e apesar dos cálculos mais precisos, temia-se este retrocesso do inconsciente social torvo da América, dos seus rednecks incultos, desinformados, ausentes, indo às urnas para agarrar-se aos salva-vidas da inércia americana, seu fundamentalismo, sua demissão de toda visão cívica do país. Faz-se campanha nos Estados Unidos até a última hora, tal como não há boca de urna, e os primeiros resultados do Kentucky e de Indiana marcavam uma dianteira nítida do republicano.


A última frase de McCain aludia à megalomania do contendor, pretendendo mudar a América e mudar o mundo. Mas foi nesta dimensão que levou os oponentes ao grotesco da polarização, empurrando a imagem de Sarah Palin, desprezada por todas as bandas remanescentes de um neoconservatismo articulado nos Estados Unidos.


Os 64% de americanos que foram as urnas só tiveram paralelo em 1908 na capacidade, de fato, do sair de casa no incômodo dia do voto, ou mesmo de se dignar a fazê-lo por correspondência. Via de regra, um presidente se elege com pouco mais de metade de seu possível colégio eleitoral. Nesta unanimidade em torno de Obama consagram-se vários saltos à frente na cidadania, travada por um alegado e congênito conservadorismo da nação opulenta, individualista, desatenta ao mundo lá fora, e só agora, depois da queda das torres gêmeas, exposta à agressão no seu próprio território.


No eleitorado ganhador venceu-se de vez o preconceito racial, e garantiu-se a retomada do liberalismo como distinta dos socialismos ameaçadores. Sancionou-se, sobretudo, a presença do Estado no macrocontrole da economia, como exigido pela crise financeira e, de vez, o apoio a uma política fiscal socialmente igualitária, rompendo a panacéia situacionista de sempre, de que o importante não é tributar mas garantir mais empregos pelo lucro dos ricos. Obama, o redistributivista, foi à pecha decisiva com que McCain castigou o adversário, num divisor final de águas entre as duas Américas postas a voto no 4 de novembro.


As propostas de Obama vão todas ao acervo das propostas democráticas avançadas no governo Clinton e bloqueadas nos oito anos do capitalismo de caubói de Bush, punido pela crise, antes do vaticínio das urnas.


O presidente eleito não se ilude ainda quanto às ameaças escondidas por detrás dos coeficientes do tsunami que o levou à Casa Branca. Se nele votaram 66% dos latinos e 93% dos afros, 56% dos homens brancos da classe média ficaram com McCain, não obstante o democrata pela primeira vez ganhasse fortalezas dos conservadores como Ohio e a Pensilvânia, tal como a Flórida deu o troco à vitória de Bush em 2000. A prudência inicial de Obama não lhe tira o vinco das certezas no sorriso. Não se muda a América agora para mudar o mundo depois, mas é da não-transigência com o capital de esperança agora, das guerras do Oriente Médio à criação de um sistema financeiro de fato mundial, que a América se tornará de fato prisioneira do êxito do 4 de novembro.


Jornal do Brasil (RJ) 12/11/2008

Jornal do Brasil (RJ), 12/11/2008