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Queixas de médicos

 

Recebi, via internet (esta verdadeira caixa de ressonância da nossa cultura), um curioso texto intitulado “Como enlouquecer um médico em 12 lições”. Contém coisas do tipo: “Comece a consulta reclamando da demora, mesmo que tenha sido atendido rapidamente. Depois, diga ao médico que ele é o 13º que você procura e que você só quer mais uma opinião, pois não confia muito em médico. Diga também aquela frase clássica: ‘Cada médico fala uma coisa’”. E: “Nunca responda diretamente às perguntas. Caso ele pergunte se você teve febre, diga que teve tosse. Conte tudo detalhadamente, começando, se possível, desde quando você ainda era criança”. Ou ainda: “Leve sempre três crianças com você (nem precisam ser seus filhos), especialmente aquelas que mexem em tudo, sobem nos móveis, ficam fazendo perguntas no meio da consulta. Combine previamente com uma delas para quebrar o termômetro do médico”.


Querem mais? “Quando o médico estiver se despedindo de você, na sala de espera, diga bem alto, para outros ouvirem também: ‘Vamos ver se agora o senhor acerta!’” E, ao voltar: “Inicie com: ‘Estou pior do que antes’. Aproveite para incluir, no relato, novas queixas. Diga que você passou por um farmacêutico, muito antigo e muito conceituado no bairro onde sua tia mora, e ele resolveu trocar os remédios”. Uma alternativa para o consultório: “Descubra onde seu médico dá plantão à noite, e só passe a procurá-lo lá. Dê preferência a hospitais públicos, onde ele não ganha por ficha de paciente”. O coroamento: “Diga que não concorda nem com o diagnóstico nem com os medicamentos que ele está indicando. E que você tem a sorte de ter um farmacêutico amigo”.


O texto, como muitos outros que circulam na rede, é anônimo. Mas certamente foi escrito por um médico ou por alguém que está muito familiarizado com a prática médica, porque se refere a situações reais, a problemas que provavelmente incomodam muitos profissionais. Mas a maneira como isto é feito preocupa. Porque sugere uma situação de latente hostilidade entre médicos e pacientes. E isto, numa situação em que todos os esforços devem convergir para um objetivo comum, é, para dizer o mínimo, preocupante.


O médico sabe como deve atender o paciente. Pelo menos é treinado para isso nas escolas de medicina. Pergunta: deveria ser o paciente também “treinado” para consultar o médico? Indagação mais que pertinente: com as pessoas cada vez mais informadas (inclusive pela internet), não são poucos aqueles que vão ao consultório já com dúvidas e perguntas, às vezes escritas num pedaço de papel (era o famoso “malade au petit morceau de papier” dos clínicos franceses). Mas, a julgar pelo texto, providências, quando tomadas, mais atrapalham que ajudam. Que fazer, então?


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Nenhum paciente precisa receber um curso sobre como consultar o médico. Mas seria muito útil se o paciente soubesse aquilo que o médico espera dele para ajudar no diagnóstico e no tratamento. Quem pode transmitir estas informações ao paciente? Só o próprio médico. Não se trata de estabelecer regras, não se trata de 12 lições; trata-se apenas de informar, com franqueza, precisão e sobretudo afeto, aquilo que ajuda e aquilo que atrapalha. E aí certamente textos anônimos sobre o assunto não precisarão estar circulando por aí.


Zero Hora (RS) 08/11/2008

Zero Hora (RS), 08/11/2008