Quero chamar a atenção de vocês para três recentes acontecimentos: o centenário da morte de Machado de Assis, a vitória de Barack Obama e a exposição que, inaugurada no Santander Cultural aqui em Porto Alegre, fala-nos da vida e da obra deste original pensador brasileiro que foi Gilberto Freyre, falecido há exatos 20 anos.
Aparentemente estes eventos, estas personalidades nada têm a ver entre si. Mas têm, sim, muita coisa em comum. Machado, como Obama, era mulato (“bronzatto”, para usar a horrorosa expressão do premiê italiano Berlusconi). Diferente de Obama, teve uma infância pobre, não freqüentou escola, começou a trabalhar muito cedo. Mas, como Obama, perseguia um sonho, e para atingir este sonho ele fez o possível e o impossível, e tornou-se inclusive presidente da Academia Brasileira de Letras, o que, numa época de franco racismo no Brasil, parecia algo quase impossível. Porque o racismo brasileiro à época tinha uma característica peculiar. O que incomodava estes racistas não era tanto a existência dos negros. Isto eles admitiam, e nem tinham como não admitir, cercados que estavam de escravos por todos os lados. O que os perturbava, o que os enfurecia mesmo, era o mulato, que dava testemunho de uma afrontosa transgressão: branco com negro, mistura de raças, onde é que já se viu? O resultado, diziam médicos da época (muitos dos quais, como na Bahia, faziam as vezes de antropólogos), era catastrófico. O mulato era um doente em potencial, sujeito à neurastenia, à “fraqueza dos nervos”, à tuberculose, ao alcoolismo – numa palavra, à degenerescência, uma situação que acabaria com o Brasil.
É então que entra Gilberto Freyre. Diferente de seus precursores, ele vai celebrar a miscigenação, vai defender a ligação, ainda que clandestina, entre casa-grande e senzala – aliás a obra de sua autoria, que leva exatamente este título, completa este ano 75 anos de publicação. Nenhum motivo ideológico o movia, mesmo porque politicamente ele não era o bicho e até aderiu à ditadura em 1964. Mas a verdade é que estava certo, e o tempo comprovou-o dramaticamente. Naquela época o nazi-fascismo já estava em ascensão e as teorias raciais de Hitler fariam milhões de vítimas nos campos de concentração.
Pureza é uma palavra perigosa, que só deveria ser usada em química. Seres humanos tendem inexoravelmente para a mistura, coisa que, qualquer biólogo dirá, acaba aperfeiçoando nossa espécie. O mix é bom, o mix cria variedade, o mix cria possibilidades. O mix criou Machado, o mix criou Obama. O mix nos aproxima mutuamente, o mix faz emergir o que temos de melhor. Uma lição que a humanidade custou a aprender, mas que, tendo aprendido, não deve esquecer.
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Agradeço as mensagens de Neide La Salvia, fazendo boas considerações sobre reforma ortográfica; da farmacêutica Berenice Goulart Dallagnol, defendendo uma postura ética nas farmácias; de Helena Stumpf Morelli que, a propósito da chegada do verão e dos riscos dos raios solares, comenta: “Fico pensando na sabedoria das japonesas e das damas antigas, que nunca saíam ao sol sem suas sombrinhas”. A propósito da crônica “A conspiração dos objetos”, no Donna do último fim de semana, Maria Elizabeth Knopf Beth expressa sua aprovação, denunciando as tesouras como particularmente perversas e prontas a sumir. E o dr. Sergio Celia e a professora Rosa Maria Pinheiro de Matos gostaram da crônica do Vida em que falei sobre a dificuldade de comunicação entre médicos e pacientes. E finalmente uma homenagem ao tradicional Hotel Laje de Pedra, que no dia 18 completa 30 anos. Vai durar muito, essa bela laje.
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A gurizada do Bom Fim era irrequieta, barulhenta. Com uma exceção: Roberto Pecis, morador da Fernandes Vieira, desde menino um autêntico cavalheiro, fino, educado. Com fineza, educação e generosidade, Beto conduziu sua vida até o último fim de semana. Deixou a vida. Deixou-nos uma lição de vida.
Zero Hora (RS) 11/11/2008