Numa façanha literária capaz de fornecer elementos para a compreensão de todo um período de nossa história, o jornalista e analista internacional João Lins de Albuquerque conversou com cinqüenta pessoas eminentes nos mais diversos setores mundiais de atividade nos Séculos XX e XXI.
Estive com João Lins na Suécia onde eu fazia conferências e ele, na sua atividade jornalística, entrevistava pessoas e analisava aspectos da cultura escandinava. Estivemos juntos na Academia Sueca, doadora do Prêmio Nobel. Lembrando o prêmio, informe-se que João Lins de Albuquerque entrevistou grande número de premiados Nobel, além de escritores, atores e atrizes, diplomatas e políticos de vários países, inclusive chefes de Estado, num panorama impressionante de seres humanos em cujas mãos e inteligência esteve muitas vezes o destino de nosso tempo.
Começando pelo cinema, a arte que nasceu no fim do século XIX e encantou gente ao longo de todo o século XX, João Lins de Albuquerque apresenta seu primeiro entrevistado, Pier Paolo Pasolini, que seria assassinado pouco tempo depois. Disse ele que o maior desafio que o cineasta e o escritor precisam vencer é o código, pois "o mundo está fundado sobre o código", e o código é a repetição.
Em qualquer setor, forma-se um código, com leis sobre o que pode e o que não pode ser feito. É nosso dever ultrapassar o código e buscar a verdade que está no fundo mesmo de uma vida, seja uma atividade, um caminho ou uma realização de si mesmo.
João Lins entrevista Bernardo Bertolucci, em seguida Ingmar Bergman, que deseja exorcizar os "demônios da alma" e só encontrou a felicidade no fazer cinema, depois de, aos 30 anos, já se ter casado três vezes. Assim fala sobre Claude Chabol, Milos Forman e, passado para o tema teatro, apresenta Ionesco, com quem Zora e eu nos encontramos em Paris, depois de havermos visto "Le roi se meurt". Marcel Marceau, o mímico, fala, em sua entrevista, sobre a linguagem universal que é a mímica, a arte do silêncio.
Um livro como de João Lins de Albuquerque, tal como foi concebido e feito, nada tem a ver com trabalhos semelhantes, de análise ou de entrevistas, porque abarca um âmbito muito maior do que o de entrevistas comuns. A pergunta fundamental, "para que vivemos?", é a base de cada entrevista e leva cada entrevistado a enfrentar a realidade e a confessar o que achou no mergulho que faz em si mesmo.
Antes do depoimento dos entrevistados aparece, no livro, o retrato de cada um, em desenhos de traços firmes e claros. No meu caso, assim que li as entrevistas, voltei à página anterior em que estava o retrato, examinando-o para ver se as feições combinavam com as respostas.
O que impressiona, no livro de João Lins de Albuquerque, é sua amplitude espantosa de ângulos, cada entrevistado contribuindo para erguer um retrato dos muitos ângulos de que é feito o habitante da terra, em suas múltiplas lutas para ir além de si mesmo e vencer o tempo com uma obra que fique depois que ele não mais estiver presente.
O cineasta, a atriz, o poeta, o romancista, a bailarina, o mestre de dança, o cientista, o estadista, o arquiteto, o pintor, o pregador, o inventor seja do que for, o que luta pela saúde dos outros, o explorador de terras desconhecidas, os que buscam a paz dos povos, os apóstolos de vários tipos, os que lutam pelo otimismo, os que passam a vida combatendo doenças, todos estão neste livro abrangente que mostra o ápice que o homem pode atingir quando se entrega à tarefa de explicar a vida e de, com isto, ajudar os que nela estão.
Num julgamento dos livros que estão sendo publicados este ano, destaco "Conversações 50 entrevistas essenciais para entender o mundo" como dos mais belos e mais úteis, colocado que está num patamar de onde se pode contemplar as ações que, nos diversos setores da atividade do homem sobre a terra, ajudam a vida e contribuem para que seus leitores sigam o conselho de Shakespeare de que devemos conhecer-nos a nós mesmos.
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"Conversações 50 entrevistas essenciais para entender o mundo", de João Lins de Albuquerque, sai sob a égide da Editora de Cultura, de São Paulo. Desenhos de Katrin Lins de Albuquerque. Lançamento em 17 de novembro, às 17h30, na Academia Brasileira de Letras.
Tribuna da Imprensa (RJ) 11/11/2008
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