Todos os anos, no começo de outubro, o mundo literário se agita com a proclamação do nome do vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, que costuma sair na segunda quinta-feira deste mês, como também aconteceu este ano. O premiado foi o francês Jean-Marie Gustave Le Clézio, que, em 1973, Jorge Amado e eu encontramos numa reunião literária em Paris, onde a editora Stock lançava meu romance "A casa da água" ("La maison d'eau"). Soube então que ele passara parte da infância, na Nigéria, onde o pai trabalhara e onde viveu três anos, tendo ele então nos falado da parte importante da África na sua literatura. Na época, era candidato ao Nobel o nosso Jorge Amado, que teve sua candidatura mantida entre os anos 70 e 80.
Sou testemunha de haver um brasileiro estado perto do Prêmio Nobel. Foi um grande poeta, hoje num ostracismo sem explicação. Falo de Jorge de Lima. Ao longo de minhas viagens à Escandinávia, quando morava em Londres (lá passei quinze anos de minha vida com Zora) fiz um bom número de conferências em Estocolmo e, no decorrer delas, fiquei amigo de Arthur Lundkvist, membro da Academia Sueca. Zora e eu costumávamos almoçar com Arthur e Maria toda vez em que estávamos na Suécia.
Foi assim que fiquei sabendo com detalhes do que aqui vou contar (já o contei antes, mas é oportuno lembrar). Arthur sabia línguas latinas. Lia normalmente em francês, italiano e espanhol. Por causa desta última, começou a ler também português, principalmente poesia. Leu poemas de Jorge de Lima e se encantou com eles. Sabia de cor alguns dos poemas negros de Jorge de Lima.
Contou-me que, logo depois da segunda guerra mundial, como admirava a Índia e sonhava em visitá-la, recebeu o convite de uma companhia de navegação comercial, da Suécia para ir à Índia. Aceitou e ficou alegre de saber que o navio parava no Rio de Janeiro, onde passaria um dia inteiro. Pediu à Embaixada do Brasil em Estocolmo o endereço de Jorge de Lima no Rio e obteve o do consultório médico mantido pelo poeta na Cinelândia. Ao descer na Praça Mauá, foi informado que, seguindo aquela Avenida (a Rio Branco) até o fim, chegaria à Cinelândia.
Alcançou o consultório às dez da manhã e passou o dia conversando com o poeta. Almoçaram juntos e visitaram o Passeio Público. À noite, Arthur voltou ao navio e seguiu para a Índia. De regresso à Suécia, disse a seus colegas acadêmicos de seu encontro com um poeta que se qualificava para o Nobel. Houve um entendimento que a data do prêmio poderia ser 1958. A morte de Jorge de Lima em 1952 eliminou o plano.
No caso de Jorge Amado, sabe-se que ele foi um dos finalistas no ano em que outro escritor, do Egito, Nagib Mafous, saiu vitorioso, pela diferença de dois votos. Jorge Amado patrocinou, durante vários anos, a candidatura do escritor português Ferreira de Castro, autor de um romance amazônida, "A selva". Outro que Jorge Amado patrocinou foi Miguel Torga, que o merecia (Torga seria o primeiro escritor a obter o Prêmio Camões).
Com a América Latina já com vários prêmios Nobel (só o Chile teve dois), o Brasil poderia ter sido lembrado antes. Acho que até Machado de Assis poderia ter sido premiado. O Prêmio Nobel teve início no ano de 1900 (fui convidado para assistir seu cinqüentenário em 1950) e Machado de Assis, que morreu em 1908, deu ao Nobel oito anos para ser descoberto. E talvez não tenha havido quem mais o merecesse.
Voltando ao premiado de agora, diga-se que a obra de Jean-Marie Gustave Le Clézio, tem uma força rara e está muito à vontade ostentando o maior prêmio literário de todos os tempos. E o Brasil não deixa de participar de seu trabalho pela sua admiração por Euclides da Cunha, a quem presta reverência, por informar que se inspirou em "Os sertões", no seu livro "A quarentena", editado no Brasil em 1997 pela Companhia das Letras.
Tribuna da Imprensa (RJ) 14/10/2008