Frente à lembrança de mais um 11 de setembro, Obama e McCain marcaram o retrato das opções sem volta das próximas eleições americanas. Os republicanos não abrem mais qualquer guarida a um pós-Bush que não seja senão o confirmarem-se os piores presságios para a nação hegemônica entrincheirada no seu fundamentalismo extremo. Não há mais reforma republicana senão a da regressão ao núcleo mais empedernido do maior país do mundo barricado na civilização do medo.
Sandra Palin encarregou-se do bordão final para uma vitória republicana em novembro próximo. Não lhe falta nenhum ponto cardeal no credo do reacionarismo de crenças, paixões políticas e desassombro do recado. Criacionista, fascinada por armas de guerra, caçadora, advogada da pena capital. Mais ainda, e agora, vai além da guerra preventiva na defesa do Império. Retoma a antiqualha da guerra fria e promete um conflito contra a Rússia ao lado da invasão do Irã ou de qualquer outro país do Oriente Médio. E, mais ainda, entra de chofre no conflito de religiões, cercando de suspeita, de princípio, o mundo islâmico que identifica ao terrorismo de todas as latitudes.
McCain não precisou de mais de meia hora para conhecer a vice proposta, Sarah Palin, e não mais lhe perguntou. Entregou-se, sim, e logo, à onda profunda desse inconsciente coletivo americano, que desaguou na candidata perfeita, de seu pior id. Não estamos mais no mero visco no evangelismo, recuperado das clínicas antialcoólicas de Bush. Na dureza calcária do herói de guerra McCain cerca este solo jurássico, de onde jorra a América fundamentalista neste contraponto já de dois séculos com o país de Jefferson, ou de Lincoln, e das liberdades, no delineio da primeira nação moderna. O confronto atravessou esses dois séculos, entre os isolacionistas republicanos da pior cepa, de um Hoover a um Reagan, e o recado de Wilson Roosevelt e Kennedy.
O que defrontamos agora é um retorno a este abissal da América dividida entre o sonho de King, encarnada em Obama, e a pertinácia de todos os preconceitos da nação superior que rematam em madame Palin para impor-nos a razão dominadora. Não restava dúvidas há três meses de como o surto de mudança ia a Obama na campanha avassaladora que derrubava os obstáculos do preconceito racial, ou dos populismos fáceis, para responder à nação lincolniana e do reencontro das suas matrizes cidadãs, paralisadas pela catástrofe insuportável da queda das torres.
O choque nasce agora do levante da outra e torva parte da América, que veio à tona com seu "pitbull" de batom, de quem McCain vira o estrito comparsa. E o mais grave é que nestas explosões do inconsciente social o país deixa a rotina do ficar em casa no dia das urnas, para um teste sem volta de romper com a rotina das eleições sem sustos, nem grandes surpresas, das últimas décadas. O racha aí está, mas com vantagem para os republicanos inquietos pela primeira vez para marcar o seu voto.
O mundo da segurança ancestral, reforçado pela civilização do medo, e entranhado no conforto de sua abundância, está ganhando, por pontos, do país das liberdades, da paixão pelo novo e por este universo das multi raças que repugna à governadora do Alasca. As hegemonias expõem-se aos controles e às tragédias da democracia profunda, bem como para suas tragédias. Mas, no nível em que traz à tona um conflito irreversível na alma americana, o pleito pode sancionar, em novembro próximo, o apocalipse já.
Jornal do Brasil (RJ) 17/09/2008