Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > "J.O."

"J.O."

 

Na década de 60 coloquei um terno muito chinfrim, enfardelei expectativas culturais e fui com Mauro Mota e Gilberto Freyre conhecer José Olympio, a Editora, a Cantina Batatais e sentir o clima, a inigualável atmosfera J.O.
Vinha do Recife para o meu Rio. Aquela época já era encantado pelo meu Rio. Hoje sou, ainda mais. E as expectativas se confirmaram. Comecei a ver ao vivo, sem retinas no meio, autores que conhecia só nos livros. Foi uma alegria. Fiquei honrado e honorado. Só J.O. não me deu muita importância. Também eu não tinha importância alguma.
Comi a comidinha básica da Casa e conversei o que pude, protegido pelo meu deus na terra – Gilberto Freyre – e pelo compadre master – Mauro Mota, que me apresentavam com carinho e cumplicidade.
Recordo tão boas lembranças ao passar e repassar, e repassar, olhos sobre o livro quase perfeitíssimo que a determinação e o bom gosto editorial de José Mario Pereira incorporaram ao patrimônio da cultura do Brasil.
Na obra a gente encontra do Brasil a política, a história literária, a indústria editorial, a evolução gráfica, a memória fotográfica, um pedaço da trajetória do país no século XX.
Nesse passar e repassar de páginas, minha vida foi se reativando. Saudades do meu pai que deu ao filho adolescente o dicionário de Laudelino Freire, saudade de Odylo Costa, filho, o grande sonetista incorporado num homem admiravelmente bom. Renovei a convicção do quanto foi esperto a seleção de literatura estrangeira que J.O. produziu a serviço da nossa inteligência. Gostei de confirmar o quanto Castello Branco e José Sarney, presidentes da República, reverenciaram em J.O., o homem e a obra. Gostei de tanta coisa. Chequei edições de livros que estão comigo (Dimensões, de Portella), dos que emprestei e não voltaram (Tejipió, de Herman Lima), dos que doei sem esperar agradecimento (História do Brasil, de Calmon), pois biblioteca que se preza nem sempre acusa a oferta. Pensa que é obrigação. E não é.
José Mario Pereira, o organizador catalisador, saiba que seu ofício de editor sublimou-se. É uma obra com jeito transtemporal. Gilberto Freyre entre tantas das sua lições deixou-nos aquela de que o passado nunca foi, o passado continua. Por isso, J.O. não passou, J.O. continua.

Diário de Pernambuco, 07/09/2008