Uma das boas lições que aprendi com o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, é o princípio da razoabilidade das penas. Isso nos torna mais humildes diante da lei. Se ela deve ser aplicada indistintamente, desprezando o sentido humano, melhor seria que entregássemos ao computador a decisão de julgar. Seria pelo menos mais rápido.
Fiquei comovido com a leitura do JB de domingo. Refiro-me ao caso do papagaio Jasão, que faz a alegria da aposentada Maria José Araújo, de 73 anos, cardíaca, moradora em Belo Horizonte. Segundo a Lei Nacional dos Crimes contra a Fauna, utilizar espécimes da fauna silvestre sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente constitui transgressão legal. Até aí compreende-se a preocupação do Ibama e do Ministério Público de Minas Gerais.
Acontece que a mencionada ave, devidamente batizada, não sofre de maus-tratos. Ao contrário, tem um bonito caso de amor com a aposentada, que não pode viver sem ela. Conheço casos parecidos, como o de uma amiga carioca, Fátima, que perdeu sua calopsita e chorou sem parar durante 30 dias. Estava acostumada a ser acordada por ela - e fazer as refeições ao seu lado. Quando a ave voou para a mata do Leme, deixou inconsolável a sua proprietária. Não houve retorno, mesmo depois de inúmeros anúncios publicados na imprensa. Se alguém pegou, ficou com ela.
Voltando a Minas, Maria José, que ganha um mísero salário-mínimo, foi multada pelo Ibama, que faz questão de receber R$ 500 de quem não pode pagar. Precisa do salário para comer e comprar remédios para o marido, também doente. A insistência na pena não revela rigor, mas exagero, por um crime que nem é tão hediondo assim. Embora silvestre, o papagaio, em muitos casos, no Brasil, considera-se ave doméstica, que faz a alegria de um número sem conta de residências, sobretudo no interior. Ainda mais quando fala, como é comum.
Confundir a presença do alegre Jasão com a possibilidade de tráfico (ou o seu estímulo) é desarrozado. Trata-se de um só papagaio, vítima de uma covarde denúncia anônima. Se o bicho falasse ao telefone poderia até ter sido vítima de um dos 40 mil grampos existentes no país. Por que o Ibama não permite, num gesto de compreensível humanidade, que Maria José seja depositária fiel da ave?
Fico pensando no Zé Carioca, genial personagem de Walt Disney. Será que o grande desenhista deveria ter sido multado por se apropriar de um dos grandes símbolos da fauna brasileira?
Se o que se deseja é proteger os animais - e o nosso Jasão demonstra estar bem entregue - que importância tem a sua procedência? Deseja-se provar que ele é filho bastardo? O que existe é mesmo um misto de rigor exagerado com um possível desejo de aparecer, o que não seria defensável, pelos danos afetivos que estão sendo provocados. Vamos dar mais atenção às incríveis feiras da Baixada fluminense, por exemplo, onde milhares de aves são irregularmente vendidas, a cada fim de semana, sem que a fiscalização dê conta das suas obrigações de coibir. Concluo com um apelo: deixem o Jasão em paz.
Jornal do Commercio (RJ) 12/09/2008