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Perguntas não-inocentes

 

Autoridades aqui do Rio, preocupadas com a devassidão provocada por travestis e prostitutas, sobretudo na orla, e decididas a transformar a cidade num mosteiro de absoluta castidade, pretendem fotografar a placa dos carros daqueles que se abastecem de sexo com a mais antiga das profissões.


Tecnicamente não é impossível. As ruas já estão vigiadas por milhares de “pardais”, alguns ostensivos, outros disfarçados, que fotografam infrações do trânsito, criando uma prova que não pode ser negada na hora de cobrar a multa respectiva. Até aí, tudo bem. É o ovo (e o olho) do Big Brother que nos espreita e, gradativamente, vai enterrando a privacidade de todos nós.


No caso do uso das prostitutas, a pergunta que deve ser feita é a seguinte: o que farão as autoridades com as fotos obtidas? Não será caso de multa, uma vez que não se trata de infração de trânsito nem de infração penal. Haverá um arquivo que poderá ser usado para chantagear os usuários? Ou a medida se destina apenas a constranger o freguês, na base do “você está sendo fotografado!”?


Se o cara é solteiro ou descompromissado, se estiver na cidade a turismo ou a negócio, nem mesmo a chantagem será temida. A nova lei não terá condições nem sequer de constrangê-lo. Sobram os casados e comprometidos, esses, sim, terão motivos para não serem fotografados na tradicional e indispensável tarefa de “chercher la femme”, ou equivalente masculino, no caso do travesti.


Muito complicado. As fotos obtidas serão remetidas para quem? Para o próprio? Para a mulher ou a namorada? Para o patrão? Para os jornais e tevês? Ou farão parte de um dossiê, como as conversas obtidas pelos grampos telefônicos, para o caso de uma necessidade?


Folha de S. Paulo (SP) 7/8/2008