Quando nos aproximamos das homenagens que serão prestadas à memória Machado de Assis, pelo centenário de morte, convém recordar um fato que vai lentamente caindo no esquecimento. No dia 21 de abril de 1998, presente um grande número de acadêmicos, a ABL reparou uma inacreditável injustiça ou mesmo um triste ato de discriminação.
Quando a musa Carolina morreu, foi enterrada pela família num jazigo, no Cemitério São João Batista. Machado homenageou o grande amor da sua vida com o célebre poema À Carolina , um dos mais belos da língua portuguesa.
Depois que Machado fechou os olhos para sempre, a família européia da esposa recusou a colocação do seu corpo junto aos restos mortais da bem amada, sob a indefensável alegação de que "ele era mulato".
Assim se passaram 90 anos. Sabedores do fato, procuramos os descendentes de Carolina, seus herdeiros. Por intermédio da amiga Maria Teresa Sombra, ela própria um dos familiares, chegamos à simpática figura de Dona Ruth, bisavó, que ao ouvir a argumentação da ABL assinou um termo de autorização para que se fizesse o traslado.
Separamos um espaço na entrada do mausoléu acadêmico e ali juntamos os dois enamorados, Machado e Carolina, dessa vez para sempre. O escultor Agostinelli fez um belíssimo trabalho em bronze, com dois pares de mãos entrelaçadas, de grande simbologia. Conseguimos gravar na lápide de mármore todo o poema à Carolina e uma chama votiva simbolizou o nosso eterno apreço.
No mencionado 21 de abril, dia de sol intenso, fez-se a comemoração da junção definitiva dos dois, em cerimônia especialmente organizada pela então diretoria da Casa de Machado de Assis .
Houve muita emoção nos discursos, especialmente quando convidamos a cantora Kay, filha do compositor Carlos Lyra, para cantar o famoso poema Quando ela fala ( words, words, words ), numa inspiradíssima e original composição do seu pai, feita para a ocasião.
Não foram poucos os que choraram de emoção.
Diário do Comércio (SP) 11/7/2008