O gênio literário do padre Antonio Vieira foi ressaltado, de modo enfático, na Academia das Ciências de Lisboa, quando um dos seus mais brilhantes membros, o escritor António Valdemar, fez importante pronunciamento, a propósito do IV Centenário de Nascimento do autor de Sermões e Cartas antológicos.
Foi lembrado que Vieira, "contra opiniões dominantes, defendeu a igualdade dos povos e das raças, sobretudo em relação aos judeus e índios." Quanto a normas de redação e estilo, que permanecem atuais, condenou a "corrupção de vocábulos estrangeiros: só mendigam de outras línguas os que são pobres de cabedais da nossa, tão rica e bem dotada". Por aí se entende porque, no dizer do poeta Fernando Pessoa, Vieira pode ser exaltado como o imperador da língua portuguesa.
No Sermão da Sexagésima, proferido na Capela Real, fez uma crítica contundente ao estilo da época, repudiando a afetação e a pompa do cultismo. Vieira sabia dar valor aos seus sermões: "Se com cada cem deles se convertera e emendara um homem, já o mundo fora santo". Para uma alma se converter por meio de um sermão, deveriam existir três vertentes: o pregador com a doutrina, o ouvinte com o entendimento e Deus com a graça, alumiando. Assim, para um homem se ver a si mesmo são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz.
No pregador, o grande religioso enxergava cinco circunstâncias: a pessoa, a ciência, a matéria, o estilo e a voz. A pessoa que é, a ciência que tem, a matéria que trata, o estilo que segue e a voz com que fala. A sua explicação para as mudanças do mundo são muito claras: "Hoje, não se converte ninguém porque pregam-se palavras e pensamentos, antigamente pregavam-se palavras e obras."
O estilo deve ser fácil e natural, para que o sermão seja como uma árvore, com raízes, tronco, ramos, folhas, varas, flores e frutos: "Muitos pregadores há que vivem do que não colheram e semeiam o que não trabalharam... Antigamente pregavam bradando, hoje pregam conversando... Cito o exemplo de Moisés: desça minha doutrina como chuva do céu, e a minha voz e as minhas palavras como orvalho que se destila brandamente e sem ruído."
Vieira tinha objetivos muito claros, sem se preocupar com o agrado ou desagrado dos seus ouvintes. Segundo ele, a pregação que frutifica, a pregação que aproveita, não é aquela que dá gosto ao ouvinte, é aquela que lhe dá pena. Quando o ouvinte, a cada palavra do pregador, treme; quando o ouvinte vai para casa confuso e atônito, sem saber de si, então é a preparação que convém, então se pode esperar que faça fruto".
Missionário, diplomata, orador sem paralelo, político e gênio literário, como afirmou António Valdemar, Vieira pregou contra os pecados, contra as soberbas, contra os ódios, contra as ambições, contra as cobiças. Com tantas idéias avançadas para a época, não é de se estranhar que tenha sofrido perseguições e incompreensões, pelo que pagou alto preço, mas alcançou a glória.
Jornal do Brasil (RJ) 22/6/2008