Costumo dizer que neste País, a poesia é das coisas mais vivas e mais avançadas que existem. Volta e meia poeta novo começa a fazer poesia nova e a sair da mesmice dos estilos. Ou grandes poetas de ontem - então de sempre - rompem sua própria rotina e renovam-se. E o surto de mulheres que, a partir de Cecília Meireles, destruiu a antiga apatia poética e atingiu a linha de frente do fazer poesia e inovar o gênero entre nós.
Pois, no meio dessa nova face da poesia brasileira, pode-se também descobrir os poetas de linguagem direta, sem muitos rebuscamentos, mas apegando-se à palavra pura e simples. Este é o caso de Ruymar Andrade para quem tudo é motivo de poesia, o que leva também a uma diversidade vocabular que lembra a frase de Carlos Drummond de Andrade: "A poesia está no dicionário".
Em meu livro de contos, "O menino e o trem", imaginei uma palavra que sofria no dicionário ao ver que suas colegas volta e meia apreciam num poema e ela ainda não tivera essa alegria. Imaginei uma situação em que, por um desses mistérios sem explicação, cada palavra sabia imediatamente quando era usada num poema. Minha palavra sofredora era "múrmuro". Pois um dia um poeta a incluiu num verso e, não só isto, escolheu-a para ser o título do poema. Era como se o poema elevasse a palavra a uma nova categoria.
Imagino assim o poema "Ansiedade" e o verbo "amofinar-se" como tendo agitado dicionários por estar ali: "O relógio bate agora um tempo/ que não espera por ti .../ Como se o futuro tivesse chegado, com atraso,/ à cerimônia da sua própria realização./ Tu te lembras que não costumava ser assim .../ Daí, o riso imperfeito; a palavra introversa;/ o sonho fugaz .../ Não te amofines com o tempo!. ../ Ele também passará."
Levado pela naturalidade com que as palavras buscam o ritmo e chegam a uma singeleza de significados, revela o autor sua intimidade com a busca de emoção posta em palavras normais.
Seus versos descrevem objetos e paisagens, ora em português, ora em inglês, fruto de viagens, em poemas que falam da solidão, da espera da paisagem em fuga, do amor perdido e morto, da igualdade geral das coisas, das paisagens perdidas e ausentes, das ausências e das presenças, do ciúme e das flores, dos pássaros selvagens, das trevas inesperadas, dos aniversários e das despedidas, das ruas de pedras, do anoitecer e do amanhecer, tudo se transforma em versos, como se não houvesse outra linguagem possível, e nisto jaz a maior contribuição de Ruymar Andrade à frase medida, com ou sem rima, como forma de expressão do que nos rodeia e do que está dentro de nós.
Como neste "Arribação": "Os poemas que vou colhendo/ não aparecem em vão/ chegam como alimento / com as aves de arribação / que, quase sempre em bando, / pousam em minha mão, / e no papel vão deitando/ versos em profusão. // No inverno, que falta sinto/ das aves que ainda virão / a socorrer um faminto, / pousadas em minha mão."
O acadêmico Carlos Nejar assim o define em sua apresentação: "Ruymar de Andrade carrega consigo, o dom inefável, qual seja, o signo de sua infância que perdura, desde Ubá, que nele reflui com a mágica de um tempo vivido. E viver é passagem, concessão, legado de honra que este poeta desenha, sem falsa esperança, no jogo das imagens."
Já o presidente da Academia Ubaense de Letras, Manuel José Brandão Teixeira, amigo de longa data do poeta, assim o descreve: "Neste livro não se esquece o autor de sua terra natal, que canta através de suas ruas de pedras, como tão bem canta as coisas que o mundo lhe mostrou e à musa que lhe encantou a alma. Conhecedor da literatura portuguesa, e dos clássicos de língua inglesa, no original, verseja com desenvoltura nesses dois idiomas".
"Poemas do viver", de Ruymar Andrade, sai sob a égide do Instituto Cultural Antonio Olinto. Capa e projeto gráfico do autor, miolo Inah de Paula Comunicações. Lançamento na Livraria da Travessa - Shopping Leblon (Av. Afrânio de Melo Franco, 290 - 2º piso, loja 205 A - Leblon), na próxima quinta-feira às 19h.
Tribuna da Imprensa (RJ) 10/6/2008