Vocês devem lembrar a propaganda de Sex and the City, a série televisiva que agora chega às telas sob forma de filme (o que, do ponto de vista da indústria da diversão, costuma representar uma consagração): quatro mulheres jovens, bonitas, avançam pelas ruas de Nova York. Uma cena paradigmática, análoga àquela que aparece nos filmes, vários, que trataram de um episódio famoso na história do oeste americano: o duelo entre mocinhos e bandidos no lugar conhecido como O.K. Corral. De novo são quatro, quatro os mocinhos e quatro os bandidos; como as moças de Sex and the City, eles avançam resolutos, não por uma elegante avenida, mas por uma rua empoeirada de um remoto vilarejo. É a hora da verdade; logo as armas falarão e dirão quem sobreviverá para contar a história.
É uma coincidência significativa que sejam quatro os bandidos e quatro os mocinhos. Para os gregos antigos, o número quatro era muito importante. Afinal, quatro são os pontos cardeais, quatro as estações do ano, quatro as fases da Lua. Quatro eram, para os gregos, os elementos do universo, ar, água, fogo, terra. Nestes elementos, quatro atributos físicos se faziam presentes, o seco, o úmido, o quente, o frio. Não é de admirar que os discípulos do famoso filósofo, matemático e mago Pitágoras considerassem o número quatro sagrado. E, ah, sim, quatro, no Novo Testamento, são os cavaleiros do Apocalipse.
É possível que em Sex and the City essa idéia do número quatro tenha pesado; como sabemos, essas coisas são cuidadosamente estudadas por produtores, diretores, autores. Mas Sex and the City não é O.K. Corral. Porque este filme, um faroeste, representa a mitologia americana no seu extremo: a idéia da batalha final entre o bem e o mal, entre mocinhos e bandidos. Fica mais clara ainda num filme que volta e meia reaparece nas sessões-nostalgia do Telecine, Sete Homens e um Destino. Aí, como indica o título, não são quatro os protagonistas principais, mas sim sete, outro número mágico. Sete pistoleiros que, na falta de trabalho melhor, aceitam defender uma aldeia mexicana contra os bandoleiros que a exploram e aterrorizam. Lembra alguma coisa isso? Lembra, sim: lembra o Iraque. Melhor: lembra o Iraque como deveria ser. Porque no final do filme, os camponeses lutam ao lado dos pistoleiros e conseguem a vitória. Exatamente o que o governo americano esperava: que seus soldados fossem recebidos como salvadores e que a população se unisse a eles para expulsar primeiro Sadam Hussein e depois os fundamentalistas. Não foi o que aconteceu, e essa guerra se transformou num desastre.
A batalha agora é outra. Nos filmes de faroeste citados, e em muitos outros, a mulher desempenhava quase sempre um papel secundário: o machismo imperava. Em Sex and the City, o cenário é outro: a grande cidade, rica, trepidante, não o vilarejo. E a batalha (que não é uma batalha final; continuará por muito tempo) tem a ver sobretudo com sexo. Para os homens a pistola agora é outra. E eles nem sempre a usam bem; pelo menos não os torna mais poderosos. A cidade iguala homens e mulheres. Uma mulher pode ser uma empresária tão ousada e criativa como um homem, não raro mais ousada e criativa. A força física já não conta tanto; na verdade, na vida urbana, os homens são frágeis, morrem bem antes das mulheres. Os espécimes que sobram não raro são disputados encarniçadamente. É muito significativo que certas mulheres sejam rotuladas como "pistoleiras".
Mas é uma batalha pela vida, pela paixão. Nada de mortos ou feridos jazendo na rua. Talvez não tenhamos melhorado muito em matéria de filmes, mas melhoramos em matéria de batalhas.
Zero Hora (RS) 1/6/2008