RIO DE JANEIRO - Nos últimos tempos, por penitência ou por masoquismo, tenho ouvido palestras, conferências e debates sobre variados assuntos sobre os quais nada entendo. Pouco tenho aprendido, mas sempre me distraio vendo a reação das platéias.
Descobri que metade delas, de uma forma ou de outra, cochila de diversos modos. Alguns chegam a ressonar, a cabeça tombada sobre o peito, dando a impressão de que aprovam o que está sendo dito. Outros aprendem a dormir de olhos abertos -técnica na qual o finado Magalhães Jr. era mestre, ajudado pela natureza, que o fez estrábico dos dois olhos.
Há, porém, os "punti luminosi" de que Ezra Pound falava. Em qualquer situação, seja qual for o orador, seja qual for o assunto, ficam atentos, eretos, marciais, como se estivessem ouvindo um hino nacional imaginário -a imagem é do Nelson Rodrigues.
Um desses pontos luminosos, segundo consta na ABL, foi o ministro Ataulpho de Paiva, mestre do galanteio e das boas maneiras. Chegou ao Supremo Federal sem ser jurista e à Academia sem ter livro publicado. Hoje é nome da avenida mais importante do Leblon, enquanto Machado de Assis tem uma rua mesquinha, escondida no Catete.
Ataulpho tinha um topete majestoso, que pintava de acaju, ninguém sabia a sua idade, era celibatário e rico. Sucesso absoluto nas rodas sociais, não perdia conferência, simpósio, palestra, debate, mesa-redonda ou quadrada. Duro na cadeira, aprovava antecipadamente tudo o que orador dizia, lesse ele o catálogo de telefones ou a tábua de logaritmos.
Reza a lenda que foi o autor do convite para Getúlio Vargas entrar na Academia. Vargas quis tirar o corpo fora, alegando não haver vaga. Ataulpho respondeu: "Não seja por isso, presidente, eu me suicido".
Folha de S. Paulo (SP) 15/5/2008