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A kitanda do seu António

 

Quando se pergunta quando é que o Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa entrará em vigor, há um certo clima de perplexidade. Uns dizem que será ainda este ano, outros afirmam que o nosso governo decidiu internamente que dará um prazo de dois anos para que isso aconteça, enquanto Portugal fala em seis anos para as mudanças, aliás, nem tão profundas assim.


Defensores da idéia estão de olho nas chamadas razões estratégicas. Se o português for unificado, como acontece com o francês e o inglês, certamente ganhará pontos a tese da sua presença como língua oficial nos organismos da ONU, o que hoje é impossível, dadas as diferenças de grafia nas oito nações lusófonas (aí já incluído o Timor-Leste).


Lembram os especialistas que, em 1911, quando se pensou pela primeira vez no assunto, escreveu-se muito a respeito, mas a decisão foi unilateral: fez-se o determinado pelo governo português. Ninguém deu bola para a posição brasileira, então uma nação bastante atrasada e com altíssimo índice de analfabetos. Hoje, temos um grande peso específico na matéria, pois somos 190 milhões de falantes, quase 20 vezes a soma de todos os países da Comunidade de Língua Portuguesa.


Mas parece impossível o entendimento. Enquanto demonstramos uma grande boa vontade, flexibilizando as nossas reivindicações, não ocorre o mesmo por parte dos parceiros. Dirigentes de Angola mandaram dizer que concordam com tudo, desde que palavras como quitanda sejam escritas com K, como acontece naquele país africano. Portugal não abre mão do António, por causa da forma como se pronuncia a palavra em seu território, e aí se estabelece a confusão, apesar de haver um acordo de cavalheiros para que não se altere a fonética, o que é bastante inteligente. Cada povo pronuncia as palavras de acordo com a sua tradição.


Concretamente, o Ministério da Educação pretende avaliar livros didáticos, no próximo ano, somente se estiverem de acordo com a chamada "nova ortografia". Seriam comprados para distribuição gratuita em 2011. A Academia Brasileira de Letras tem pronto o seu primeiro Dicionário Escolar, com 30 mil verbetes. Está naquela situação bem retratada pela "cantora" Maria Joaquina Dobradiça da Porta Baixa, na música interpretada pelo humorista Castro Barbosa, na famosa PRK-30 (Rádio Nacional): "Ah, eu tenho dois amores, um aqui outro acolá. O de cá pede que eu fique; o de lá pede que eu vá. Não sei se vou ou se fico..." A dúvida existe, perde-se um tempo precioso, mas a Casa de Machado de Assis deu-se um prazo até julho, na expectativa de que saia um decreto definitivo por parte do nosso governo.


Enquanto, no Brasil, intelectuais e professores aguardam a decisão, hoje exclusivamente a cargo dos meios oficiais, o Parlamento português examina o assunto, sem que se possa prever a decisão futura. Aliás, Portugal assinou o Acordo em 1991, depois recuou. Temos a solidariedade completa de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. O que dói um pouco, nisso tudo, é a posição de alguns escritores de Lisboa. Escrevem contra o Acordo e contra o Brasil, acusando-nos de tentativa de neocolonialismo. Seguramente, esse não é o melhor caminho para que venha o entendimento desejado.


Jornal do Brasil (RJ) 8/5/2008