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A torre de Babel

 

RIO DE JANEIRO - O grande público ignora, mas está em discussão -aliás, continua em discussão- o acordo ortográfico entre Brasil, Portugal e demais países que falam e escrevem o português, designados eruditamente como "lusófonos". Uma velha questão que motivou diversos acordos -e nenhum deles foi realmente respeitado.


Tanto na academia brasileira como na congênere portuguesa, sempre houve comissões mais ou menos permanentes em busca da unificação ortográfica -que, a bem da verdade, é quase completa, com exceção de pequeno número de palavras sobre as quais não existe consenso. Exemplo: dificilmente o Brasil aceitará escrever "facto" em vez de "fato", duas palavras que, em Portugal, têm sentidos diferentes.


Em linhas gerais, os especialistas lusitanos obedecem ao critério histórico das palavras: "Súbdito" em lugar de "súdito", em respeito ao prefixo "sub", que indica submissão. E por aí vai.


Problema maior será obter consenso com os povos africanos que falam português. Alguns deles não abrem mão das origens, que nascem dos diversos dialetos espalhados pelo imenso território da África. É o caso da letra "K", muito usada em todos eles. Não vejo a possibilidade de adotarmos aqui no Brasil a grafia de "kiabo" no lugar de "quiabo", ou "muleke" no lugar de "moleque".


Pessoalmente, me abstenho dos debates lá na Academia. Não sou especialista e aproveito a erudição alheia. Considero que língua, linguagem, fonética e ortografia são como a famosa "La donna è mobile", cantada na ária de Verdi.


Não adianta regredir aos tempos anteriores à construção da Torre de Babel, quando, segundo o relato bíblico, os homens começaram a falar cada qual à sua maneira e a torre do consenso humano jamais chegaria ao céu.


Folha de S. Paulo (SP) 4/5/2008