RIO DE JANEIRO - Almocei nesta semana com Thiago de Mello, irmão, companheiro de cela, ou, como ele prefere me chamar: "companheiro da manhã", embora a nossa manhã já esteja longe, apesar de cada vez mais presente. Sofremos os mesmos espantos e nos trocamos as mesmas consolações.
Quando Virgílio embarcou pelos mares túrgidos para fazer a Eneida, o poeta Horácio dedicou-lhe um dos mais belos poemas da humanidade, pedindo que o navio trouxesse de volta, incólume, "a metade de sua alma" - "et serves animae dimidium meae".
Sempre que me separo de Thiago faço o mesmo pedido. Traçamos um belíssimo vinho chileno (ele viveu anos no Chile), falamos sobre o querido Armando Nogueira e sobre a Amazônia, onde o poeta nasceu e vive como um animal na floresta.
Ele conhece o assunto, no qual sou analfabeto de pai, mãe e consanguíneos. Até 2090 -informa o poeta-, a Amazônia será uma savana, um Saara imenso, sem águas e sem árvores. Culpa do tal aquecimento global, mas culpa também dos homens que somos todos nós.
A natureza indicava para a região um único Estado soberano que cuidasse dos mananciais e da estupenda ecologia local. Mas os homens fizeram meridianos delimitando posses entre Espanha e Portugal. Desavenças factuais pulverizaram o que poderia ser a América Espanhola. O resultado é que a enorme região, de características tão especiais, ficou dividida entre Brasil, Colômbia, Venezuela, Bolívia, Peru e uma Guiana que nem latina é.
Cada país enfrentou e enfrenta seus próprios problemas, alguns deles chegam a brigar entre si por disputas menores -e o formidável pedaço de mundo tem vários donos e praticamente não tem um responsável legal. Não se trata de internacionalizar a Amazônia, mas de racionalizá-la.
Folha de S. Paulo (SP) 13/4/2008