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Conversa para Durão Barroso

 

Tocou-me a honra de falar em nome dos acadêmicos e de não acadêmicos no jantar de honra que a Academia Brasileira de Letras (ABL) ofereceu ao presidente da União Européia. Jantar no velho solar que pertenceu ao “cacique” Austregésilo

de Athayde.


Aí, eu disse assim:


Esta casa, ela própria, sugere compromisso humanitário e universal, onde viveu, espichado período de sua longuíssima vida, mestre Athayde, brasileiro que integrou com protagonismo a Comissão indicada pela ONU para redigir a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.


A casa está no bairro do Cosme Velho. Nela viveu Machado de Assis, um dos fundadores da ABL, cujo centenário de morte exatamente este ano estamos a celebrar, com zelo por honrar a memória do nosso maior escritor e com cuidados em acarinhar a portuguesa – Carolina – sua mulher, quem até pelo tom da voz o fascinava.


Era o cenário adequado para acolher o presidente José Manuel Durão Barroso. Não lhe falei, por desnecessário, da transcendência do papel da Academia como instituição não apenas dedicada às letras literárias, mas comprometida com as humanidades. Seu estatuto determina culto da língua e trato da cultura.


A Academia tem consciência de que é o ativo cultural mais destacado do País.


O tempo também era festivo. Convencemo-nos, e prosseguimos empenhados na tarefa de convencer ainda mais, da reajustada imagem de D. João VI, com o registro dos duzentos anos da chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro.


E me animei a mais uma vez recordar Gertrude Stein, indagando: “A que distância tem que estar uma data para que nos preocupemos com ela?”


Imaginemos se seria possível projetar, em 1808, o Brasil de hoje, a integrar o Grupo BRIC. O Brasil cuja formatação em verdadeiro Estado desponta com Tiradentes, na Vila Rica, aquela Ouro Preto que causou em Durão Barroso grande espanto e emoção ainda hoje a repercutir nos seus olhos e no seu sentimento.


É o Brasil espaço euro-atlântico, agrupamento que como Nação nascera em Guararapes – Pernambuco, num espetáculo multirracial, nativista, heróico, batizado em sangue, agregador, verdadeira diáspora ao contrário. É o Brasil que D. João VI principiou a integrar ao sistema do comércio internacional.


A globalização ocorrida também por esse meio, resultou, ao contrário do que se poderia supor, numa ardente valorização dos diversos contextos culturais em que nos abrigamos. A globalização foi fator de difusão das culturas.


Chesterton falou que “as coisas essenciais nos homens são as coisas que eles possuem em conjunto e não as que possuem separadamente” e Miguel Torga advertiu de que “é preciso ter pelo menos um palmo de ilusão”.


Qualquer dos conceitos poderia ser epígrafe para a União Européia. Não foi por inspiração desse tipo que se captou e levou adiante o interesse comum? Que se administram as desigualdades de poder? Que se dirimem controvérsias? Celso Lafer, nosso confrade tão ilustre, se sente bem ao lado dos que se filiam ao pensamento de que a utopia mais concretizada na segunda metade do século 20 não foi o socialismo, mas a construção de uma Europa em paz e prosperidade.


Durão Barroso é o promotor dos seminais Acordos de Bicesse e tem cuidado, em particular, de duas frentes de ação na U.E.: a do processo de incorporação e a do tenaz esforço de adensamento. Essa “força de liberdade e solidariedade”, para dizer melhor, por dizer com as suas próprias palavras, é o que significa a U.E., como qualificado bem público internacional.


O Espaço Shengen não deve impugnar os atores comprometidos na fraternidade entre os povos. Sem cavilações isolacionistas o Brasil se comporta em relação às gentes, aberto ao sincretismo da diversidade.


Disse-lhe de que pomos os olhos nessa construção toda vez que a tessitura do Mercosul avança. Amamos o compartilhamento da cena sul-americana. Por isso, um confrade nosso, decano da Casa, José Sarney, ao seu tempo de presidente da República, fez obstinado esforço pela organização do Mercosul, tarefa que começou por logo excomungar o clima de tensão Brasil/Argentina.


Espantamo-nos com as histórias recentes que em vez de zelar, tentam desandar o clima pacífico desta parte do mundo, inclusive a querer confundir terrorismo com insurgência. E podemos bradar esse espanto pois o nosso interesse nacional só tem sentido pelo tanto que luzimos o interesse regional.


Jornal do Commercio (PE) 8/4/2008